sábado, 3 de novembro de 2007

UM FERIADO COM LORENZO

Todos os dias das oito da noite até as duas da manhã somos nós dois aqui neste apartamento ou onde quer que a gente vá. Mamãe Betine está trabalhando e os homens dominam a área. Nós sentamos no sofá, o Lorenzo se permite sentar no meu colo de vez em quando, para assistirmos televisão. Assistimos futebol, de preferência Portuguesa e Gama pela Série B, Arsenal e Chivas pela Copa Sul-Americana ou algum jogo de Rugby, pena que esses só passem de vez em quando. O Lorenzo grita gol e levanta os dois braços. Ou então eu vou trocando de canais de filmes até que ele preste atenção em algum. O Lorenzo acaba paralisando em coisas do tipo Steven Seagal ou Duro de Matar. Juro. Não sou eu que escolho. É ele. Enfim.

Pois ontem de noite o Papai foi ver o time decadente dele empatar em casa com o Sport Recife e deixou o Lorenzo na casa da vovó. Depois pegamos a Betine no caminho e voltamos para casa. Lorenzo dormiu para valer mesmo só lá pelas cinco da manhã. Sim. Mas o Lorenzo faz mais de três ou quatro meses, nessas horas a gente perde a noção de dias, meses ou anos, dorme lá pelas quatro da matina, com o horário de verão, cinco. Com o pai e a mãe detonados do resto da semana e a mãe ainda tendo que trabalhar no jornal, sobra pro pai o serviço completo.

Levanto da cama às três e meia da tarde, que eu também não sou de ferro. O Lorenzo pelo jeito já estava acordado um pouquinho antes. Fica falando sozinho no berço enquanto vira de bunda pra cima e se revira no colchão. Eu nem passo pelo quarto, mas já sei o que se passa por lá. Vou para a cozinha cortar umas quatro laranjas de umbigo para fazer o suco de laranja do moço. Bato no liquidificador com água e açúcar enquanto requento uma papinha congelada com um pouco de água e sal na panela. Nós dois não sabemos cozinhar direito, então dependemos das papinhas congeladas da vovó de Bento Gonçalves, a mãe da mamãe, ou das comidinhas da Cris, a babá, que faz a ponte entre a mãe sair de casa e o pai chegar do trabalho. Confuso, não? Agora vocês entendem um pouco do horário confuso do senhor Lorenzo, como eu o chamo quando quero que ele faça algo que eu já sei de antemão que ele não vai fazer.

Tiro o Lorenzo da cama e tento fazer ele comer a papinha. Ele não quer. E berra. Ele anda chateado com um resfriado que não vai embora nunca. Berra mais ainda. Escorre água e ranho pelo nariz. Eu limpo com um pano. Ele fica brabo. Berra mais do que antes. A Betine acorda atrasada para tomar banho e chegar no jornal. Na verdade ela vai chegar no horário, mas ela foi criada em Bento, eu entendo, o pessoal de lá respeita os horários e isso é louvável. Eu não respeito. Quase sempre chego colado nos horários ou atrasado mesmo. Depois que a mãe sai decido que é hora de passearmos. O Lorenzo não foi com a cara da papinha e não adianta insistir e agüentar ele berrando de raiva. Pego uma mamadeira de suco, coloco ele no carrinho e vamos para a rua.

Primeiro passamos na pracinha aqui da Vicente. Muitos pais e mães, afinal hoje é feriado. Tiro o Lorenzo do carrinho para ver se ele se enturma com as outras crianças. Ele corre atrás de uma bola no meio do jogo de dois irmãos, um guri e uma guria, e logo depois desvia e vai reto em direção ao meio da rua. Eu pego ele no colo. Depois ele faz isso na caixa de areia. E na calçada da pracinha. Sempre fugindo para o lado da rua onde passam os carros. Coloco o Lorenzo no balanço e ele incrivelmente fica quieto enquanto observa um guri brincando de jogar a bola para um cachorro buscar e trazer.

Decido que a pracinha não era e vou em direção à Praia de Belas. Vejo que o parque de diversões está aberto. Penso, ingenuamente, em dar uma volta para que o Lorenzo veja os brinquedos, afinal ele tem dezoito meses e não vai ter chance de se divertir em quase nenhum brinquedo. Que nada! O parque cobra ingressos para entrar e poder utilizar todos os brinquedos. Não era assim quando eu era criança no século passado. Parque de merda. Modernidade bobalhona. Dezoito reais para passear entre uns tapumes brancos e feios? Vão se catar, não é?

Prefiro chegar no shopping. Além do supermercado, a única loja interessante aberta é uma livraria Siciliano. Só que estamos em época de Feira do Livro e eles, supostamente, venderiam tudo com 20% de desconto. Venderiam sim. Só que apenas nas compras acima de 60 reais. Baita merda. Fico observando os livros quase todos na casa dos 40 ou 50 reais e penso bem, deveria comprar dois livros para ter direito ao desconto. É ridículo. Eu não tenho verba para isso. E se tivesse não daria um real para ler sobre o livreiro de Cabul ou como deve ser interessante a vida do Edir Macedo. Bosta de cultura, quer dizer, Siciliano. Logo, entramos no Nacional e vamos direto ao que interessa ao papai. Bebidas. Os vinhos até estão baratos, afinal é costume não beber vinho quando está chegando o verão. Mesmo que o termômetro de rua marque 17 graus numa tarde de novembro, o Trapiche por 14 reais não me convence e atravesso o supermercado em direção ao lado das cervejas atrás de uma marca que só vendem por lá. Therezópolis. É uma cerveja do Rio de Janeiro. Boa. Só uma garrafinha de 600 ml já me bastaria. Mas hoje ela não está na prateleira. O Lorenzo olha para o corredor das latinhas e longs e aponta o dedo e fala: Papai! Tô frito. Meu filho já me reconhece por latinhas de Brahma. Que mundo! Pego duas pizzas congeladas para jantar com a Betine, uma caixinha de chá verde para beber gelado e um Gatorade. Não me perguntem daonde saem essas compras. Outro dia sai de noite com o Lorenzo e cheguei no caixa do Big com uma embalagem de presunto,um desentupidor de ralo, um carrinho de fricção e uma garrafa de Absolut (era meu aniversário).

Voltamos para casa. Minhas costas detonadas do troca-troca de levar Lorenzo no colo e no carrinho. Guardo as compras e tento, de novo, fazer o Lorenzo comer a papinha do mal. Ele não quer. Cospe em cima da cadeirinha. Vou até o armário da cozinha e tiro uma papinha de carne da Nestlé. Esquento um pouco e sirvo para o moço. Ele devora tudo. Tenho vontade de dar uns tapas nesse malandrinho. Óbvio que não darei, mas ele é muito esperto e sabe quando estão tentando lhe empurrar porcarias. Ou o que ele considera porcaria. Depois quando ele vai abrir a geladeira pela centésima vez seguida, eu tiro o antigo trancador de portas para bebês safados por um novo, mais resistente, e fechona parte mais alta da porta. Ele não consegue abrir. Me ordena que eu abre. Eu não abro. Ele berra mais alto. Vai até o canto onde ele se enfia na cozinha, embaixo do tanque e se acoca. Faz cara de que faz cocô. Ele faz cocô. Ele fede a cocô. Ele fez cocô. Quando troco a fralda ele mexe as pernas e se suja ainda mais da merda meio mole, ele anda ruinzinho mesmo, e eu me irrito e coloco só a fralda nova no lugar das calças. Deixo ele andando pra lá e pra cá e preparo o banho. Tudo transcorre normalmente no banho, enquanto assistimos Brasil e Venezuela no campeonato sul-americano Sub-15, partida importantíssima, até que após o banho, o Lorenzo se estressa com a girafa que faz barulhos quando cai uma bola e ele se ajoelha chorando do lado dela. É o sono chegando. Nove da noite. Ele chora e só se acalma quando deita de bruços no sofá e adormece comigo dando tapinhas na bunda dele enquanto eu assisto o final dos Bacyardigans no Discovery Kids. Muitas vezes acabo assistindo até o fim os episódios repetidos das animações do Discovery. Ajeito o mocinho no berço e termino de beber minha Pilsen que me esperava na geladeira. Quase durmo na frente do computador enquanto conto as novidades para a Betine no MSN.

O Lorenzo levanta só às onze e meia da noite depois de ficar mais de meia hora me embromando cada vez que eu tentava tirá-lo do berço. Ele dizia: Não! Puto! É, a vovó de Porto Alegre ensinou palavrões pra ele. Fala na seqüência “sai chata, boba e cu”. E se pilharem, engata um “merda”. Finalmente está chegando a hora da mamãe voltar do trabalho, não sem antes o Lorenzo berrar por um bom tempo por qualquer coisa que o contrarie, eu deixo por conta do resfriado, coloco Sorine no nariz remelento dele e o guri vai se acalmando. Ele é de índole zombeteira e quase sempre bem-humorado, a não ser quando acorda, mas quem não é mau-humorado quando acorda? Misturo Coca-Cola com vodka, minha única refeição foi pão com queijo e maionese e um pacotinho de Pastelina durante todo o dia, e o Lorenzo come um pote de iogurte com laranja e mamão, reclama compulsivamente da porta da geladeira trancada, esconde os carrinhos embaixo do sofá e pede para entrar no cercado enquanto joga todas as bolinhas de plástico para fora quando está do lado de dentro, obviamente. O Lorenzo está imundo de novo, eu estou suado e cansado, apesar do friozinho de primavera, a televisão exibe as mesmas merdas de sempre e o mundo continua exatamente a mesma bosta que tem sido desde que eu o conheço. Quem se importa com tudo isso, quando tem o sorriso do Lorenzo para iluminar seus dias e tornar mais ébrias suas noitadas cansadas e destrutivas de pai de primeira viagem?

Eu amo tudo isso!

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A PRIMEIRA NOITE

Continuando nosso passeio por Buenos Aires.

Chegamos virados no Borges Design Hostel. Uma das coisas que aprendi é que em Buenos Aires se diz assim quando se pega um táxi ou pergunta-se como se chega em algum lugar: Paraguay, entre Thames e Borges (isso, Jorge Luis Borges é o nome da rua que até onde descobri se chamava Serrano em toda a sua extensão).

Pois o Borges Design fica numa casa dos anos 1920, de três pisos, com um elevador daqueles de abrir a primeira e depois trancar a porta pantográfica para que ele saía do lugar. Próximo do metrô (SubTe para os íntimos), estação Plaza Itália, do Jardim Botânico que tem acesso gratuito é bem bonito mesmo e a poucos quadras do furdunço da Plaza Serrano (ou Cortazar como foi rebatizada pelo povo do bairro) no bairro de Palermo, seção SoHo. Palermo é assim. Tem Palermo Soho, que é a parte do bairro onde se encontram os bares mais undergrounds (por pior que seja essa expressão) e os artistas plásticos, atores de teatro riponga, músicos, escritores e vagabundos em geral (afinal, arte não é trabalho segundo a tradição do trabalhador cabisbaixo). A outra parte do bairro, que no fim não chegamos a conhecer, é Palermo Hollywood, onde se encontram os estúdios de televisão e cinema, os bares mais badalados de artistas de TV e teatro. Foi lá que logo depois que voltamos para o Brasil, arrombaram o casarão de um milhão de dólares que o Copolla comprou e roubaram um roteiro de um filme que ele pretende fazer.E é lá também que ficam os campos de Pólo e onde se cultiva o gosto pelo Rugby, hoje em dia um esporte bem popular na Argentina, recentemente classificados em terceiro na Copa do Mundo do esporte realizada na França.

Pois chegamos no Borges Design e logo de cara descobrimos que os ocupantes do nosso quarto de casal com banheiro exclusivo (por 130 pesos por dia foi uma barbada o quarto que reservamos) ainda não tinha saído. Pior, tinham saído para passear e deixaram suas tralhas no quarto. Cansados não tivemos outra saída a não ser dar um volta no bairro e esperar que os caras de pau voltassem logo. Fomos até a loja de uma brasileira que foi entrevistada pela Zero Hora e que ficamos de levar a edição do caderno Donna sobre Palermo que a Milena, editora do caderno e madrinha do Lorenzo, acabou não enviando para a moça.

Muitos cocôs de cachorro depois voltamos ao albergue e os canalhas ainda não tinham voltado. Mais cansados ainda, e torturados pelas duas gurias que atendiam de dia e não saíam do telefone ou do MSN e quando falávamos com elas, devagar, em português o portulhano e elas respondiam em inglês, o que nos confundia ainda mais, pois entendemos quase tudo em espanhol e elas vêm com speak english pra cima de nós, porra! Decidimos que o melhor era aceitar o quarto do lado e dormir.

Dormimos até umas seis da tarde e saímos de novo, afinal não viajamos para dormir, não é? Depois de a muito custo arrancar a Betine da cama, colada que ela estava no travesseiro, fomos caminhando sem destino pelo bairro, nos perdendo entre as ruas com nomes de países da América Central. Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Nicarágua. Basicamente nestas quatro ruas e nos cruzamentos com Borges, Thames e Malabia é que se desenrola a balbúrdia de Palermo Soho. Muitas lojinhas de roupas. Roupas de bebês. Roupas femininas. Roupas de homem. Lojas gays. E, finalmente, Plaza Serrano, uma praça circular rodeada de bares e lojas que têm bares dentro. Sim! Dá para olhar roupas e encher a cara ao mesmo tempo. E na rua muitas feiras de todo o tipo de roupa feita pelos designers (outro sinônimo de artista por lá) de Palermo.

Bom, a parte do parágrafo acima eu dedico à Betine. A parte que me interessa veio mais tarde. Com fome e sedentos de cerveja, pelo menos eu estava, entramos em um bar na Praça mesmo, não recordo o nome agora, mas logo procuramos o setor fumadores, que neste bar por incrível que pareça era menor que o de não fumantes (diferente de quase todos os outros que entramos, onde o setor de fumantes era bem maior).

Para começar os argentinos gostam de cerveja mais suave. A Quilmes é fraquinha, quase um guaraná para bebum. A Brahma fabricada por lá é mais adocicada. Nos restava pedir uma Stella ou uma Heineken. Na falta de Heineken no bar não foi difícil pedir uma Stella de litrão (960ml para ser mais exato, 11 ou 12 pesos a garrafa no bar). Que cerveja! Enquanto isso, nos fazendo entender pela garçonete (o que é mais interessante, os homens argentinos entendem muito mais o português que as mulheres. Elas falam rápido demais e acho que não se entendem nem entre elas, as mocinhas de mãletis e caras afinadas de ascendência italiana e espanhola) pedimos uma pizza e uma cebola frita para aperitivo. Só que a cebola chega junto com a pizza.

A pizza portenha é quase como a porto-alegrense e diferente da brasileira em geral (leia-se paulistana). A massa é mais grossa e mais bem cozida que a de Porto Alegre, o que eu gostei claro, porque era sequinha nas bordas e levemente cheia no meio. E, como nosotros gaúchos eles colocam tudo na mesa para acompanhar a pizza. Ketchup, maionese, azeite, mostarda, só faltou pimenta. Enquanto a Betine inventou de tomar uma Guiness (14 pesos, preço honesto, mais barato que no super em Porto), eu inventei de querer descobrir o que era o tal de porrón artesanal. Que idéia cagada. Porrón é long neck e a cerveja artesanal que escolhi, pelo nome, Barbarossa, com um pirata, claro!, no rótulo era horrivelmente frutada. Bah, tenho pavor de cerveja frutada. Mas como bom bebum tomei até o último gole aquela desgraça de 8 pesos (o que até não foi um prejuízo dos maiores).

De barriga cheia e levemente alcoolizados voltamos ao albergue dispostos a recuperar o sono perdido, acordar lá pelas 10 da manhã e fazer o roteiro de turistas que tínhamos programado durante um mês inteiro. Tremendo engano para dois boêmios. No albergue encontramos o Itamar, um carioca que estava hospedado lá, e a Mara, uma moça de Natal que também aportava por lá. Começamos a beber Heineken e Brahma com eles e o salão do albergue foi se enchendo de colombianos, suiços, holandeses, norte-americanos, dinamarqueses, etc. Um dos donos do albergue convidou o pessoal para uma festa na casa de uma amiga, uma open house dessas, e que nós só tínhamos que levar a bebida. Que idéia! A Betine já estava mandando ver nuns Gintônicas e enquanto os outros levavam Brahma de litrão para a festa nós inventamos de comprar por 40 pesos uma garrafa de Gin e uma garrafa de tônica.

Depois de salvarmos o americano de Massachussets, e de ele me explicar como se fala Massachussets sem errar como fazem os caras no Fantástico quando falam do MIT, chegamos de táxi na casa da guria que não sabia daonde tinha saído aquele zoológico internacional. O gelo da casa ficava na banheira e por mais que ninguém acredite no Brasil, ninguém tinha mijado na banheira cheia de gelo. E foi de lá que retiramos o gelo para o nosso Gintônica dançante. Um terror! No final mamamos a garrafa de Gin e a de tônica estava pela metade. Dançamos, fizemos fiasco, voltamos pela rua cantando San Lorenzo (o time de futebol, atual campeão argentino, que tinha sede originalmente em Almagro, bairro vizinho a Palermo) e, no albergue, ficamos conversando e acabando com o freezer de cervejas até às oito da manhã. Parecia que tínhamos retornado uns 15 anos no tempo e voltávamos de Imbé depois de uma noitada e acompanhávamos o sol nascendo no mar barrento de Tramandaí. Os assuntos que lembro agora não interessam muito (lembro de falar sobre a diferença das argentinas e das brasileiras com o hincha do San Lorenzo) e fica na memória uma noite muito divertida na companhia de nossos amigos brasileiros, das gurias de Barranquilla e de Jacob, o dinamarquês que andava pra lá e pra cá com um abrigo do Boca Juniors.

Ah, sim, O dia seguinte. Depois de sermos acordados pela argentina doida da recepção diurna berrando checkin checkin no corredor ao meio-dia, para tomarmos conta do nosso quarto reservado e liberarmos o quarto aonde dormimos, só levantamos depois das 4 da tarde. Roteiro suspenso.

(continuo qualquer outra hora em que estiver disposto e o Lorenzo me deixar dormir mais que 3 horas seguidas)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

CARLITO

Mal chegamos à Buenos Aires e a Betine louca por um cigarro larga na minha frente após esperar que eu praticasse meu primeiro ato na capital argentina; cagar no banheiro do desembarque. Chegamos na área dos táxis e aquele acúmulo de homens hablando castejano (vou escrever como eles falam por aqui) e perguntando para aonde iríamos. Nós pesquisamos antes para não sermos enganados nas corridas de táxis. O primeiro taxista, ou motorista de remis que são “taxistas” sem bandeira que fazem uma corrida acertando antes o valor, nos diz que vai cobrar 75 pesos de Ezeiza até o bairro de Palermo. A Betine continua fumando e então vem outro. Um nariz enorme de bolota cheio de desenhos nas rugas aparece na minha frente. Para onde vocês vão? Palermo, respondo. Que altura? Paraguay, 4539. 65 pesos, responde o remisero (acho que é assim que se chama). Eu olho desconfiado e ele continua. No equisiste más econômico! Los otros vão pelo centro e eu sei o caminho certo. A Betine faz sinal que ainda está fumando. O remisero tasca de volta. Podes fumar no meu carro. A Betine sorri. Agora eu sei que ela vai adorar Buenos Aires.

Na tosquice do entendimento dos porteños com o português nos resta entender quase tudo que o remisero fala e ter paciência para que ele nos entenda. Mesmo sendo eu um desligado de marca maior. Logo de cara ao entrarmos no Renault esbodegado do cara, um chapéu de malandro argentino no banco de trás, eu mexo no casaco e o motora olha pelo retrovisor e fala: se quiere retirar lo saco, puedes retirar. Esqueço momentaneamente minhas aulinhas de espanhol no Google e faço uma cara estranha até a Betine me lembrar que saco é casaco, anta porto-alegrense.

O remisero abra as janelas não se importando com o frio de 13 graus da manhã e vai acelerando pela auto-pista. Aca fica la AFA onde treinam os jogadores de la seleción. Eu admiro a informação, nem tanto a Betine. Mais adiante ele explica que Ezeiza fica a 38 quilômetros de Downtown. Esses argentinos fazem uma confusão na cabeça do cara. Não entendem nada de português e falam com a gente misturando inglês com o castejano arrevesado deles. Eu pergunto. E do centro, pra ele ver que eu sei que centro é centro e não Downtown de gringo, até Palermo, quantos quilômetros são? De centro até Palermo, responde ele, são 15 minutos de Subte (o metrô deles) ou 30 minutos de ônibus, colectivo me acentua como se eu não soubesse o que é ônibus. Eu repito a pergunta. Quantos QUILÔMETROS? Ele responde a mesma coisa. Desisto.

Lá pelas tantas chegamos no primeiro pedágio. O motora paga e eu vejo que o peaje (peárre ele corrigi minha pronúncia) custa 70 centavos de pesos. Eu explico que de Porto Alegre até las playas (ou plajas, não sei mais) numa estrada parecida com aquela, pagávamos cerca de 10 pesos. Ele faz cara de espanto e logo adiante sai explicando que de um lado se vai para o Autódromo e mais adiante se vai para La Plata. La Plata de Estudiantes, pergunto. Si, responde ele. Daí não me agüento e continuo. E usted és hincha de que time? Ele demora para entender meu castejano de araque e responde: Independiente! Não me agüento e mesmo correndo o risco de levar uma bolsada da Betine continuo. Independiente de Burruchaga! Fez o gol em Grêmio dela em 1984. Independiente campeón. Era o que faltava para o remisero se abrir. Si. Independiente! E puxa um jornal, jô soy Carlito e mira quem está acá. Na capa do Diário de Deportes, um Diário Gaúcho só de futebol de lá, está Carlito de uniforme levando o Messi do Barcelona na saída do Aeroporto. Ele sorri. Maradona me pediu para que fosse buscar Messi. Messi é meu amigo. Maradona, Maradona é meu amigo! Por mim a viagem já está paga só em escutar as histórias desse Carlito. Ele é mais ou menos como se fosse o Paulo Sant’Anna só que com o nariz mais deformado do planeta. É uma figuraça. Aumenta o volume do rádio que toca tango e me pergunta se sei bailar. No. Jô no lo se. E te gusta tango? Largo um si meio tímido. Eu gosto das letras de desgraça e vingança e dor de corno. São as mesmas do samba dor de cotovelo. Ele não se agüenta mais no banco da frente. O locutor desta rádio é meu amigo! Esse Carlito é demais! É o cara! No final, sem trocado, deixo 70 pesos pela corrida e ele nos dá o telefone dizendo que na volta nos cobrará 55 pesos se combinarmos um dia antes. Nós, bêbados pelas noches e insones de dia, não ligamos. Mas fiquei triste de não terminar minha primeira viagem até Buenos Aires com meu amigo Carlito. Amigo de Messi! De Maradona! E do locutor da rádio! Puta madre!

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Brinquedos Educativos

Quando a Betine estava grávida já pesquisava sobre brinquedos educativos, gostava de comprar pros filhos das amigas e ficava planejando os brinquedos que compraria pro Lorenzo. Eu nunca me importei muito com todo esse planejamento, como de resto não me preocupo muito em planejar nada, deixo as pedras rolarem diria o chato do Bob Dylan.
Pois depois que o Lorenzo começou a brincar com algo mais que coisinhas que fazem barulho a mamãe presenteou ele com brinquedos educativos, pricipalmente esses da Fisher Price. Quem conhece sabe do que estou falando.
Mas a verdade é que o Lorenzo, e acredito que grande parte dos bebês, não dá a mínima para a função educativa dos tais brinquedos. Ele simplesmente aniquila os brinquedos. Deliberadamente. Eu compro carrinhos vagabundos made in China e adjacências. Daqueles de fricção e que custam 5 reais. E ele adora! Não que a mamãe tenha errado na pontaria, bem que ela tentou, mas a verdade é que o Lorenzo curte mesmo é os brinquedos da Trasher Price.
Hoje cheguei em casa com dois novos brinquedos que ele amou. Um telefone quebrado e um mouse que não funciona. Só me preocupei em tirar a maldita bolinha do mouse e dar uma espanada nos dois. Depois ele, educadamente, aprendeu que a frigideira não entra na máquina de lavar. Ficou meio triste por ter que colocar lá dentro só a embalagem do iogurte, um pano de prato, uma colher e restos de pão Seven Boys. Depois ele fez uma arrumação nova no centro da sala. Até tirei uma foto (aí acima) para vocês verem como é arrrtista esse nosso filho. Vão dizer? Mais um pouco e já está expondo na Bienal, não é?

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

VEM MEGA VEM

Fico eu aqui, entre a papelada que o Governo e a Receita Federal inventam para piorar cada vez mais a vida dos pequenso empresários de dia e o Lorenzo querendo brincar de noite, mais trocar fraldas, tentar dar a comida que ele tem que comer e não a que ele quer e ainda ouvir a Betine resmungando que tá cansada quando chega em casa (ninguém mandou ser jornalista), arranjando tempo para escrever na hora do almoço.

Se tenho idéias ou vontade para escrever? Muita. Mas e tempo?

Muito tempo atrás li uma frase de Gore Vidal que era mais ou menos assim (não vou transcrever certinho que isso daí é coisa de nerd e mala):

O escritor trabalha para comprar tempo para escrever.

E é isso daí mesmo. Ou o sujeito é rico. Ou se arrisca a ser socialmente vadio, afinal para a sociedade escrever não é trabalho, e passar fome por algum tempo. Ou vira um baba-ovo certeiro do marketing pós-moderno literário.

Para ser rico existem três alternativas. Ou já se nasce numa família rica, o que não é o meu caso. Ou se nasce mulher, gostosa e puta na medida certa, o que também não é o meu caso. Não sou mulher, muito menos gostosa, mas talvez até fosse puta, mas não na medida certa, óbvio. E, por último, o sujeito ganha sozinho na Mega. Essa alternativa ainda está em aberto. Mas é totalmente incerta por razões matematicamente explícitas.

Eu tentei ser socialmente vagabdundo e só me dedicar a escrever. Mas pelas razões acima (eu não sou rico), desisti porque minha família me ensinou a trabalhar e a não ser egoísta (péssimo recado nos dias de hoje), apesar de ser extremamente individualista, o que me leva a não saber trabalhar diretito coletivamente e a ser tendenciosamente ditatorial e democrático quando os interesses são os meus, claro! E ainda mais, agora sou pai e me sinto no dever de garantir o bem-estar do meu melhor amigo Lorenzo, afinal ele ainda tem o direito de ser criança e não fazer nada (direito de toda a criança é ser criança).

E, por último, eu poderia ser um baba-ovo marqueteiro, alternativa da qual já desisti faz algum tempo. Tal qual um Mr. Hyde escondido nas entranhas, quando estou prestes a ser aceito na comunidade editorial e literária se revela o lado negro da força benvenuttiana (eu mesmo já criei meu universo próprio, o que seria algo essencialmente megalomaníaco se não fosse verdade, obviamente) se liberta e causa estragos irreparáveis em tudo que está à sua volta.

Tenho consciência de tudo não é? Poderia tentar ser diferente, pois não?

Sim!

Mas a vida seria uma chatice interminável.

Ainda prefiro as aventuras!!!

Ou a Mega-Sena acumulada.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Eu gosto mesmo é de criança-CRIANÇA

Eu deveria escrever mais no meu próprio blog, não acham?
Mas a vida é assim mesmo. Chego em casa cansado e o Lorenzo me detona
das oito da noite até às duas da manhã. É uma máquina esse guri.
A mãe dele ainda acha que vamos viajar e essas coisas todas e colocarmos
um DVD no banco de trás e ele vai assistir ao filminho quieto.
Tadinha da Betine. Ela ainda acredita que ter uma criança é ter um bibelozinho.
Não critico ela. A maioria das pessoas pensa assim. Eu, não.
Sempre tive absoluta certeza que seria um pestinha. Adorável, mas pestinha.
Obediente com quem sabe mandar e brincalhão com quem se deixa levar.
E eu gosto de criança assim. Brincalhona. Agitada. Meio doidinha.
Eu não gosto é de criança parada e, a pior de todas, a criança-adulta.
Bah! Essa eu tenho verdadeiro pavor. Dá vontade de carregar pela orelha
até um campinho de futebol e dizer "vai jogar bola e ser piá", que é o que
eu faria se ainda fosse um. Criança-adulto que se porta como adulto,
come como adulto e tenta argumentar como os adultos? Bléééééé!!!
Eu gosto de crianças que se interessam pelas mesmas coisas que eu.
Afinal, também sou criança. A única diferença é que tenho carteira de motorista
e posso tomar cerveja. De resto, os adultos que vão catar coquinho.
Ô gente chata!

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Solidão

Escrever é um ato solitário. Talvez o mais solitário de todos os atos que o ser humano desenvolveu. Mesmo que o escritor esteja cercado pelos amigos ou pela família. Mesmo que tudo à sua volta conspire à seu favor. Que ele não passe necessidades. Tenha boa saúde. Seja amado.

Escrever é um ato solitário. O ato de criação literária funciona como um transe para outra vida. Outra existência. Um plano perdido dentro da alma do escritor. A utilização da técnica só se faz necessária nos ajustes. Ou o escritor corre o risco de não fazer literatura. Corre o risco de ser apenas um bom redator. Um bom jornalista. Um bom contador de histórias.

Escrever é um ato solitário. Por mais leitores que o escritor atinja com seu texto. Por mais tênue, ou profundo, ou simples, ou confuso que seja o texto. Por mais realizado que o escritor supostamente acredite estar, ele não vai estar.

Escrever é um ato solitário. E viciante. E não traz felicidade. Talvez, em alguns momentos, o escritor sinta-se eufórico. Extasiado. Alegre. Mas jamais estará satisfeito. A satisfação não combina com a literatura.

Escrever é um ato solitário. Não posso compartilhar. Não posso dividir minhas angústias. Não consigo discernir minha dúvidas. Apenas escrevo e sinto e elaboro e aparo as arestas, defino as linhas, desenho os contornos e intensifico as cores.

Escrever é um ato solitário. Masturbação diurna antes do trabalho. Um sonho erótico com alguma menina que não lembramos mais o nome (ou não queremos lembrar). É a dor que não deixamos que os outros vejam, mas vêem, e sofremos mesmo que seja tudo parte de uma grande farsa.

Escrever é um ato solitário. Tão solitário que eu não deveria estar compartilhando com vocês, mas compartilho. Pois se não colocar em palavras e mostrar aos outros o que sinto, penso, sonho, devaneio, dentro do limite entre o real e o imaginário que povoa minha alma e minha existência, sentirei-me ainda mais solitário.

Escrever é um ato solitário. Paixão instintiva. Liberdade de sorrir. Prazer inconsequente. Desistência de sofrer.

Escrever é um ato solitário.

Amar, coletivo.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

P-O-L

Sexta-feira, treze de abril.

Nesses dias em que tudo acontece, ou nessas semanas em que tudo acontece, mais uma prova que, para quem não acredita, o escritor não precisa ir atrás das histórias. Elas vêm até ele quando ele menos espera. Ou, como a vida de contador não tem nada de enfadonha ou burocrática.

Qualquer dia anterior da semana.

Atendo o telefone.
Sim.
Vocês fazem imposto de renda?
Sim.
Ah, tá. Eu sou aposentada e quero ver se tenho direito à restituição. Quanto vocês cobram?
Tananã $$$
Tudo bem. Passo aí até o final da semana.

Sexta, onze da manhã.
Abro a porta e entra uma senhora, nem arrumada, nem dessarumada, apenas uma aposentada com cara de aposentada mesmo, bolsa marrom, roupa estampada, cabelo preso e olhos claros e estranhamente esbugalhados.
O senhor é o contador?
Sim.
Bom, eu vim fazer meu imposto de renda, a aposentada se aprochega e fala quase no meu ouvido, mas tu não tem uma sala em que possamos conversar longe dos chineses, coreanos, desses negos e poloneses? Não tenho tempo de responder e ela me chama para o corredor do prédio e fecha a porta do escritório, sem antes de falar fechar também as janelas do corredor.
Eu não posso te falar nada na frente dos poloneses. Faz muito tempo que eles trabalham contigo? (não tenho tempo de responder) Bom, agora a gente é governado por uma paulista, sabe? Ela estudou em São Paulo com o nosso dinheiro e agora eles mandam na gente. Começo a concordar, afinal já notei que a mulher é doida, mas não sei aonde isso vai terminar e tô mais é pensando é se ela realmente tem uma declaração a ser feita e se eu vou tirar um troco nessa.
Sabe o que é? Ela me diz. Tenho um imóvel que recebi de herança do meu pai, imagino quando o pai dela morreu pois ela já deve ter mais de setenta anos e não cala a boca, e, interrompe a linha de pensamento e fala de novo, faz muito tempo que tu trabalha com esses chineses, negos e poloneses? Confia neles? Ó, eles vão te tomar tudo, ein? E depois vai abrindo a bolsa, eu já espero que ela tire qualquer coisa lá dentro, inclusive uma faca ou um revólver, sei lá, vai que ela ache que eu sou polonês. Me mostra uma declaração em papel. Tu entrega a minha em formulário em papel, não é? Consigo falar. Não, nós só entregamos pela internet. Não, mas tu tem que entregar em papel, ela responde. Pela internet essa Yeda vai me tirar todo o dinheiro. Ela e a construtora. Sabe que tentaram matar meu filho? Eles, os poloneses, os chineses, os negos. Não entrega pela internet. Nem pelo telefone. Eu não confio neles. Não, a gente só entrega pela internet. Entrega na tua casa. Faz na tua casa. Não posso, respondo. Ela aponta o interruptor de luz. Tá vendo isso? Eles fabricam em Minas Gerais. Os mineiros. Tão dominado tudo. Faz muito tempo, aponta com a cabeça em direção à porta, que eles trabalham contigo? (me controlo para não rir na cara da mulher. é muita piração até pra minha cabeça) Eles vão te pegar tudo. Não tenho tempo para responder de novo. E daí ela puxa um papel de ações da CRT. E isso aqui vale alguma coisa? Não vale nada. Ação de telefone não valem mais nada. A senhora pode entrar na justiça, mas vai demorar décadas e não vai receber nada. E o imóvel? Quanto é o valor? Mais que oitenta mil? Pergunto algo, enfim. Não, ela me responde. Então a senhora não é obrigada a entregar a declaração. Ela me olha assustada. E continua.
Mas o senhor tem que se cuidar com os poloneses. Olha só, e chega mais perto de mim. Pê. Ó. Éle. P-O-L. Pol. Entende. Poloneses. Marco Polo. Polícia. P-O-L. E aponta para dentro da sala. Poltrona! Eles vão dominar tudo. O senhor que se cuide. Já tentaram matar meu filho. POL. Poloneses. O interruptor. Essas construtoras trazem lá de Minas Gerais. A Bortoncello faz parte de tudo isso. Polícia. Poloneses. Poltrona, aponta de novo para dentro da sala. Faz muito tempo que tu trabalha com os chineses e os negos? Te cuida com eles. Não respondo nada. não tenho nada mais para responder. Ela guarda os papéis na bolsa e chega perto de mim de novo apontando para o próprio olho esquerdo. Pensa que eu não sei, sou quase cega desse olho mas eu enxergo. Pol. Poloneses. Eu sou escoteira, e vai se afastando. faz um V com os dedos da mão esquerda e aponta para os olhos, sempre alerta, eu sou escoteira. Quer meu telefone? Eu respondo que ela pode ligar. Ela disse que não. Eles podem atender. Eu que me cuide. E desce as escadas do prédio.

Depois desse acontecimento, tudo pode acontecer.

E cuidado com "eles", amigo!

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Vardaman

Sempre leio leitores e autores (maldade quando te chamam de autor, não, é? é uma crítica velada e bem sacaninha) comentando sobre os melhores começos de romances ou melhores primeiras frases ou melhores primeiro parágrafos. Confesso que não compreendo essa necessidade imediatista do início da história. Eu mesmo quando estou numa livraria ou numa biblioteca e não conheço nada do livro ou do autor, abro o livro numa página qualquer. É simples. Se lá pelo meio do livro, ou por qualquer página, tanto faz, o autor me puxa pra dentro da história, eu vou ter vontade de ler o resto do livro, inclusive, fora da ordem que o autor publicou. Claro que isso é uma caracterítica da minha personalidade. Do meu modo de ler. De assistir filmes. Eu posso pegar qualquer história pela metade e montar o começo e o fim que eu quiser. Logo, se a história me puxa pelo miolo, eu vou querer saber como ela chegou naquela parte e para onde ela vai se dirigir. A minha curiosidade aumenta. Daí que prefiro procurar pelas melhores QUAISQUER partes de um romance, de um conto, de uma poesia, de um tudo. Hoje, por exemplo, abri de novo o Enquanto Agonizo do William Faulkner só pra ler esse capítulo:

VARDAMAN

Minha mãe é um peixe.

Depois de ler um capítulo assim, é ÓBVIO que vou ler o restante do livro.

E fodam-se os melhores começos que isso é coisa de punheteiro.

(em breve, algo que muitos odeiam, poeminhas)

(viva a skol 500ml)

terça-feira, 3 de abril de 2007

Novas "leituras" do Lorenzo autorizadas pelo pai:

- Acabou de destruir Veias Abertas da América Latina do Eduardo Galeano. Tudo bem.O pai não teria saco pra ler um livro que não abre desde os 16 anos.


- Aniquilou Contraponto do Aldous Huxley. Esse eu nem consegui ler. Muito intelectualóide. Muito chato. Prefiro livros mais rasteiros, tipo Admirável Mundo Novo, que vai direto ao assunto e me diverte pacas.


Abaixo vai outra "leitura" dele. Mas esse o pai não deixou ele destruir. Não por ser comunista, mas porque, pra mim, o Manifesto Comunista é um ótimo livro de ficção.


quarta-feira, 28 de março de 2007

Pipoca

Enquanto o circo pega fogo
Eu bato papo com o pipoqueiro

(um texto antigo mas que me explica bem, de um eu do passado recente, o que eu mesmo penso sobre a fogueira das vaidades)

A literatura não obriga os bons escritores a sobreviverem de outras profissões. Se maldoso eu fosse, diria que os bons conseguem viver só de literatura. Mas também seria uma inverdade dentro da realidade, ainda mais da brasileira. A realidade social é que obriga os escritores a sobreviverem em profissões diversas da que têm vocação ou talento. Vocação tanto os bons quanto os maus escritores têm. Mesmo os últimos podem melhorar com o aprimoramento técnico, mas o talento não se compra na farmácia e nem vem do berço. O talento forma-se na libertação da mente. Então o bom escritor, que não sabe abusar das oportunidades quando estas se atiram na sua frente, sobrevive vendendo sua força de trabalho de outras maneiras.

Essa vida confusa poderia criar tensão no escritor se assim ele se sentisse pressionado pelos amigos, família ou por seus próprios preconceitos e regramentos no convívio com a sociedade. Mas, com o tempo, e agora passo para a primeira pessoa, fui aprendendo a conviver com as duas, ou mais, vidas. Também tenho o desejo, não sei se muito bem interpretado, de ser um ator de minha própria vida. Esse desejo também transparece na escrita. A necessidade da imaginação se libertar nas vidas que, infelizmente, não viverei, se multiplica quando escrevo. Mas a necessidade física de manter meu conforto, eu gosto do conforto, meus vícios e minha personalidade, faz com que esse campo de atuação se espalhe pela realidade.

O que se discute, se é que se quer discutir, é até aonde o escritor vive a realidade? Um escritor totalmente voltado para a escrita vive a realidade do escritor. Centrada, muitas vezes silenciosa, voltada para o livre escrever sem preocupações mundanas. Diferente do escritor que sobrevive praticando outras profissões. Sua imaginação se funde ao cotidiano abjeto. Ele alimenta esse cotidiano e se alimenta dele. É uma vida mais ativa. Colorida. Confusa. Mas não diria esquizofrênica. Ele continua sempre sendo um escritor. Ao mesmo tempo objetivo em seu trabalho não-literário e disperso em sua vida social. Esse limite entre a realidade e a literatura é que faz com que o escritor sinta a vida fluir em suas histórias e deixa a imaginação literária contaminar sua vida profissional.

Se eu reclamo dessa dualidade? Não. Admito que não. Se vagabundo pudesse ser, vagabundo eu seria. E deixaria de escrever. A vida que me envolve me impulsiona a continuar a recriando em tudo aquilo em que escrevo. Se, nos sonhos que os poetas sempre têm, amanhã ganhasse na loteria uma quantia que fizesse com que eu pudesse deixar de trabalhar, de modo algum me submeteria a vida monástica de um literato. Me jogaria em outras empreitadas, tentaria viver as vidas que a vida de contador não me permite viver. Sugaria as vidas e as histórias alheias de toda a realidade exterior que me fosse possível capturar e saborear. E multiplicaria essas vidas em minhas histórias no máximo de vida que me coubesse viver. Enquanto isso, vivo o que me cabe, sem mais e nem menos, contando dinheiro dos outros assim como quem conta os dias de vida de trás pra diante. Sem pensar.

(publicado originalmente em http://www.bureaudefatos.com.br/cornelio_benvenutti.htm)

segunda-feira, 26 de março de 2007

Mozart

Aliás, falo em livros que gosto de ler e reler.

Como leitor.

Como escritor, a resposta para a pergunta "que livros devo ler para me tornar um bom escritor?" é "que músicas Mozart ouvia para ser Mozart?"

Octaedro

Ontem vi o octaedro no banheiro. O octaedro do Cortázar. A Betine me contou que está lendo, acredito que pela primeira vez. Pois bem, o octaedro, e eu nem coloco maiúscula porque já tenho intimidade com o meu, meio amassado e sujo comprado num sebo, é um daqueles livros que li e reli muitas, dezenas de vezes. E isso que não gosto de todos os livros do Cortázar que li, ou tentei ler, como O Jogo da Amarelinha, por exemplo, que me dá sono e me enche com a papagaiada de ser lido do modo que o leitor quiser. Mas o octaedro entra numa lista de, sei lá, 50 livros que eu guardaria numa biblioteca mínima dos que leio e releio muitas vezes dos, seilá, mil livros que devo ter lido ou tentado ler.

Sim, porque existem aqueles livros que leio dez ou vinte páginas e jogo prum lado e esqueço. Geralmente pego também páginas perdidas mais pro meio e mais para o fim do livro. Se nada me chama a atenção, por diversas razões, desisto. e não tem nenhum pudor e detestar até de autores que têm livros na lista dos que leio e releio, tipo o Calvino que tem livros ótimos e chatices memoráveis classificadas de geniais.

Existem também aqueles que o autor conseguiu me prender, por uma trama, por escrever bem e de um modo que segure minha atenção, mas que depois de lido eu também jogo o livro num canto, dou ou, agora, deixo o Lorenzo (ele é um bom crítico, já destruiu o primeiro livro: Macunaíma) rasgar. Nesses livros, apesar de tão ou mais bem escritos que muitos daqueles que só cheguei nas vinte páginas, geralmente4 falta o que falta nos outros. Alma.

E finalmente chegamos na turminha do octaedro. Livros bem escritos. Racionais. Realistas. Absurdos. Não interessa como sejam classificados. Mas têm alma. O autor REALMENTE escreveu o livro. Ele viveu o livro. Ele É o livro. E o livro é ele através da paixão contida dentro de cada ponto impresso no papel. No octaedro tem um conto pra mim que é o melhor de todos. As fases de Severo. É o tipo de conto que eu diria: Eu quero escrever um assim. E ao mesmo é simples. É de fácil leitura. Um conto que seria um filme de Fellini sem ser felliniano. Nem vou contar detalhes da história, que não interessam, mas termino dizendo que hoje pela manhã entrei no carro e tocava uma certa música que lá pelas tantas dizia assim:

As rosas não falam
Simplesmente exalam
O perfume que roubam de ti

E pensei, mesmo já tendo escutado centenas de vezes, e nem sei se transcrevi exatamente como é, esse trecho, que, porra, é tão simples ser genial. É tão claro e nítido escrever sobre a vida e sobre as emoções. Basta viver. E amar. O resto, parafraseando a música, é perfume. Os autores apenas roubaram. Mas não viveram.

E isso é triste.

Para a vida.

E para a literatura.

domingo, 25 de março de 2007

Lorenzices

Ontem saímos.
Duas festas.
Uma de tarde. Festa de criança.
Lorenzo adorou a festa do aniversário de um ano do João Patella. Quando passeava no meu colo, e eu passeava para ficar fora do salão mais quente e pegar um ventinho na rua, fazia festa e pulava sem parar. Quando ficava num tapete cheio de brinquedos fazia mais festa ainda, mesmo que não estivessem mais crianças por lá.
Estranho eu estar numa festa de criança. Não por ser de criança, mas por ser de dia. Antigamente, se fosse convidado, lá não estaria. Estaria podre. De ressaca. Ficaria paralisado na frente da TV ou saíria para caminhar e suar a cerveja da sexta-feira. Mas mesmo assim ainda consegui brincar com o Lorenzo e conversar e rever os amigos, uns como sempre foram, outros casados, algumas grávidas, tomar umas latinhas e comer cachorrinhos.
Outra de noite. Festa de adultos.
Já meio cansados, eu e a Betine chegamos no chá de panelas na casa da Bruna. Obviamente que chá de panelas seria uma festa ainda mais estranha pra mim. Mas para o Lorenzo tudo se desenrolou mais ou menos como na festa anterior.
Meia noite voltamos para casa.
Lorenzo deu uma cochilada e o agito continuou, e quando digo agito é que ele não pára, nem um segundo, de engatinhar, se levantar, se apoiar, colocar coisas na boca e se movimentar para todos os lados com toda a energia dos 10 meses e meio dele. Continuou até as 4 e meia da manhã, quando derrotado,ele tomou leite na mamadeira e dormiu pesadamente até as 2 e meia da tarde.
Agora, 9 e meia da noite de domingo, ele dorme desde as 7 e pouco, depois de agitar 5 horas e comer feito um esfomeado. Eu aproveitei, e a gente aprenda a fazer com que o sono fique sempre conectado para repor nessas cochiladas dele, para tomar um café preto e escrever aqui no blogue. Tinha dezenas de outras coisas para escrever. Alguns e-mails não respondidos fazem dias, ou semanas, não sei, muitas vezes respondo e-mails pessoais muito tempo depois. Aproveitar para dizer que agora sou totalmente Google, assassinei meu velho e-mail caos@cpovo.net que mantinha só por preguiça, mas não dá mais pra marchar todo o mês uma grana só por conta de um e-mail e ainda por cima agora a grana vai pro canalha do pastor, então ele que se foda.
Bom, vou lá ver se o Lorenzo já quer acordar e depois ver o que ele vai comer.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Vida Simples

E se estiver com vontade de sair para encher a cara, voltar quando amanhecer para casa, ligar o computador e sair pirando poesias bêbadas que serão motivo de vergonha por algumas semanas e diversão pelo resto da vida, não pense duas vezes. Pegue o Lorenzo no colo e quando ele te encarar nos olhos e disser "tété" toda a literatura mundial passada, presente e futura não terá nenhum efeito sobre a tua alma.

Pois antes da literatura, sempre vem a vida, e para aqueles que acreditam a literatura ser a própria vida, abram os olhos e vejam, cegos. A vida é literatura. A vida é poesia. A vida é tudo que possuímos e nada mais desejamos além de vida. E antes que eu me transforme em poeta de auto-ajuda, desses que fazem sucesso nas sessãos insossas de cultura dos jornais diários, saio para encher a cara, sim, para voltar sedento aos olhos de Lorenzo (essa foi imperdoável). Sedento de vida.Volto do inferno das almas perdidas nas noites insanas para a ternura aconchegante da paternidade.

Sim, sempre sonhei com estradas intermináveis. Com aventuras imaginárias as quais eu teria preguiça de participar, bravateiro que sou. Mas jamais imaginaria o que sinto quando Lorenzo me olha nos olhos, sonolentos, cansados, às 3 da manhã, e me diz um "tété" cheio de carinho e me implora para brincar, mas me faço de songa e o coloco na cama até ele cansar e adormecer.

Não sei para onde vamos, nem o que vai acontecer daqui para a frente, mas a partir de hoje, quando estiver cansado, puto, irritado, destroçado, estressado, deprimido, basta linkar a memória em www.olhosdelorenzodizendotété.com e todo o resto parecerá nada, como deve sempre ter sido mesmo.E agora vou-me para encontrar ele e deixá-lo brincando com a vó pois hoje é dia de festa e ser pai não significa deixar de viver no mundo. Acreditem nisso. Um dia o filho de vocês também vai pensar assim.

Viver é simples. Quem não vive é que complica. A vida dos outros.

(assim como fazem na literatura)

terça-feira, 20 de março de 2007

Idéias Originais

Pois estava lá eu com meus blogues no Terra, que não utilizo mais, o cerveja & fralda, pra escrever sobre minhas aventuras com o Lorenzo, que continuam por aqui, e o enquanto tento escrever um romance, eu ainda tento, mas quem disse que consigo? e tive uma pequena idéia para iniciar um.

Paula conheceu Fábio. Os melhores amigos de Fábio são Rafael e Wilson. Namoraram um tempo. Paula e Fábio, diga-se. Depois Fábio namorou com Sílvia. Enquanto isso, Márcio, também amigo de Fábio, namorou Roberta, melhor amiga de Paula. Fábio e Silvia terminaram. Assim como Márcio e Roberta. Márcio conheceu Silvia. E ficaram juntos. Nesse meio tempo, Fábio ficou com Vânia, que logo depois ficou com Wilson, que por uns tempos também ficou com Roberta. Fábio ficou de cara com Wilson, enquanto Rafael começou a namorar Paula, que queria matar Silvia por ela estar namorando o ex de Roberta, Márcio. Mas logo depois Paula terminou com Rafael e voltou para Fábio. Então Rafael ficou de cara e ...

Peraí!

Não posso escrever essa história! É plágio da realidade!!!

(talvez como sejam muitas das boas histórias)

segunda-feira, 19 de março de 2007

Sanduíche de Salame

Alguém, por favor, tente explicar para o Lorenzo que um guri de 10 meses não tem a mínima chance de comer sanduíche de salame, a única boquinha que o pai dele consegue fazer enquanto corre atrás dele com um prato de sopa de legumes!

Má Fama

Quando eu estava lá fofoqueando a vida alheia no Orkut, certo dia, recebi o aviso que tinha o direito, altamente exclusivo, de possuir um e-mail do Google. Devo ter procurado por Marcelo Benvenutti, mas como não encontrei, ou não estava a fim de achar, escolhi mafama@gmail.com

Na hora foi o primeiro nome que veio à minha mente e devo dizer que tinha tudo a ver, e ainda tem, acredito, com o que eu vivia naqueles dias. Afinal eu ficava criando blogues que duravam poucas semanas, assinando com pseudônimos que chegavam a durar minutos, inventando paixonites que duravam algumas horas, dormindo pouco, bebendo muito, trabalhando como um desgraçado e não tendo nenhuma perspectiva de coisa alguma.

Mudou algo?

Sim.

E não.

Depois que apareceu um Lorenzo em minha vida, o menino chamado Lorenzo de Paris Benvenutti, tudo está de pernas pro ar. O meu trabalho aumentou. O meu tempo livre diminuiu. O dinheiro encurtou. As paixões adormeceram. Os delírios se esconderam. O copo esvaziou. E as energias foram se dissipando na exuastão dos dias de pai, contador, marido e escravo das tarefas que cada uma dessas funções me oferece com muita boa vontade.

Ainda tentei criar obrigações literárias que me fizessem manter uma produção regular, o que no meu caso seria uma produção diária. Mas que nada. Quando sobra um tempo, eu durmo. Quando não tenho sono, eu bebo. Quando não tenho saco eu mortifico meu cérebro em frente ao aparelho de televisão conectado nos canais à cabo. Vou aos poucos me apagando na repetição dos clichês televisivos. Sempre alerta para que umas das funções que me consomem venha pedir auxílio e os devaneios se percam na porção criativa da mente.

E tente explicar ao mundo que ao escritor é necessário tempo. O tempo do silêncio. O tempo da estrada vazia na madrugada veloz. O tempo do bar solitário e da cerveja gelada. O tempo do delírio observando o céu, o alto dos prédios, as folhas das árvores, o cachorro vadio que fuça no lixo. Tente explicar ao mundo que um escritor é sim um arrogante, um individualista, um doente, um parasita, um olhar perdido e desconexo no horizonte furtivo das palavras ditas da boca pra fora. Um mentiroso de grandes frases. Um ladrão do próprio tempo. Tente explicar ao mundo que o escritor deve se reservar o direito de externar em palavras as idéias e as histórias e as formas que se desenham em sua mente a todo instante e que não é possível controlá-las, apenas transformá-las em algo plausível, palpável e intelígivel se não para terceiros, para o prazer dele próprio, escritor, criador e deus de seu próprio mundo.

Bom, é o que vou tentar todos os dias por aqui.

Definitivamente.

Criei a má fama.

Que ela se perpetue.