segunda-feira, 26 de março de 2007

Octaedro

Ontem vi o octaedro no banheiro. O octaedro do Cortázar. A Betine me contou que está lendo, acredito que pela primeira vez. Pois bem, o octaedro, e eu nem coloco maiúscula porque já tenho intimidade com o meu, meio amassado e sujo comprado num sebo, é um daqueles livros que li e reli muitas, dezenas de vezes. E isso que não gosto de todos os livros do Cortázar que li, ou tentei ler, como O Jogo da Amarelinha, por exemplo, que me dá sono e me enche com a papagaiada de ser lido do modo que o leitor quiser. Mas o octaedro entra numa lista de, sei lá, 50 livros que eu guardaria numa biblioteca mínima dos que leio e releio muitas vezes dos, seilá, mil livros que devo ter lido ou tentado ler.

Sim, porque existem aqueles livros que leio dez ou vinte páginas e jogo prum lado e esqueço. Geralmente pego também páginas perdidas mais pro meio e mais para o fim do livro. Se nada me chama a atenção, por diversas razões, desisto. e não tem nenhum pudor e detestar até de autores que têm livros na lista dos que leio e releio, tipo o Calvino que tem livros ótimos e chatices memoráveis classificadas de geniais.

Existem também aqueles que o autor conseguiu me prender, por uma trama, por escrever bem e de um modo que segure minha atenção, mas que depois de lido eu também jogo o livro num canto, dou ou, agora, deixo o Lorenzo (ele é um bom crítico, já destruiu o primeiro livro: Macunaíma) rasgar. Nesses livros, apesar de tão ou mais bem escritos que muitos daqueles que só cheguei nas vinte páginas, geralmente4 falta o que falta nos outros. Alma.

E finalmente chegamos na turminha do octaedro. Livros bem escritos. Racionais. Realistas. Absurdos. Não interessa como sejam classificados. Mas têm alma. O autor REALMENTE escreveu o livro. Ele viveu o livro. Ele É o livro. E o livro é ele através da paixão contida dentro de cada ponto impresso no papel. No octaedro tem um conto pra mim que é o melhor de todos. As fases de Severo. É o tipo de conto que eu diria: Eu quero escrever um assim. E ao mesmo é simples. É de fácil leitura. Um conto que seria um filme de Fellini sem ser felliniano. Nem vou contar detalhes da história, que não interessam, mas termino dizendo que hoje pela manhã entrei no carro e tocava uma certa música que lá pelas tantas dizia assim:

As rosas não falam
Simplesmente exalam
O perfume que roubam de ti

E pensei, mesmo já tendo escutado centenas de vezes, e nem sei se transcrevi exatamente como é, esse trecho, que, porra, é tão simples ser genial. É tão claro e nítido escrever sobre a vida e sobre as emoções. Basta viver. E amar. O resto, parafraseando a música, é perfume. Os autores apenas roubaram. Mas não viveram.

E isso é triste.

Para a vida.

E para a literatura.

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