quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Resenha do Arquivo Morto escrita pelo Nelson Olveira na última Verbo21 do amigo Lima Trindade de Salvador.

outubro de 2009
A fantasia do almoxarifado

Por Nelson Oliveira

Sample Image

No início deste milênio, quando um coletivo de escritores que escreviam em blogs se reuniu para formar uma editora independente, havia muito de “vanguardista”. Na Bahia, como em outras partes do país, escritores começavam a mostrar sua literatura em blogs e participavam ativamente deste processo, que revelaria nomes como André Takeda, Daniel Galera e João Paulo Cuenca. Na Bahia, gente como Wladimir Cazé, Patrick Brock e Marcelo Benvenutti ganhavam destaque, graças ao estabelecimento da editora independente Edições K, que publicava pocket books muito bem editorados.

Benvenutti, que não é baiano, mas gaúcho, acabou ganhado destaque por aqui graças a O Ovo Escocês, livro de contos lançado pela K, atualmente adormecida. Hoje, o autor publica pela Kafka Edições, do Paraná. E foi por ela que saiu seu mais novo livro de contos, Arquivo Morto (Kafka Edições, 2009, 188 páginas), instigante do início ao fim. A coletânea de contos, composta por textos intitulados com nomes de pessoas é dividida em gavetas (A-C; D-F; G-I; J-L; M-O; P-R; S-U; V-X, Y-Z), e traz contos com uma temática comum: todos eles envolvem, de alguma forma, a finitude das coisas.

Benvenutti, consciente de que a vida é passageira – e no caso de seus contos episódicos, não passa de, no máximo, cinco páginas –, apresenta seus personagens sem muitas firulas sem, no entanto, esquecer de suas peculiaridades e detalhes, desvelados no texto como amostras de sagacidade e sarcasmo do autor. Por vezes, os contos são lacônicos ou acabam abruptamente, assim como a vida e as relações de muitas pessoas. Com isso, Benvenutti tem as armas necessárias para dar relevo a personagens comuns, ora desiludidos com a vida que levam e marcados por profundas tristezas ora gente que nem tem idéia do que acontece a sua volta ou pivôs de reviravoltas imprevisíveis.

A abertura de Alberto, primeiro conto do livro, é uma boa amostra do que o leitor encontrará pela frente: “Alberto é um interiorano de vinte e seis anos que todos os dias sai do trabalho, no cartório na Rua da Ladeira, para sentar-se na mesma cadeira na mesa de sempre do bar do Adriano, para beber”. Assim como em Alberto, quando o personagem principal deixa de reconhecer sua amante Rosa após a primeira noite de amor, e a recíproca se torna verdadeiro, vários outros contos partem de premissas simples para dar lugar a acontecimentos distantes do que se concebe como realidade. Elementos fantásticos fazem parte da grande maioria dos textos, mas são o próprio foco central da narrativa em Batista, conto no qual um empresário vive uma inusitada situação: a partir de certo momento, todas as portas pelas quais ele passa, não fecham mais, sem motivo aparente.

Em Ninguém, o próprio cenário já é fantástico, mas não descolado completamente da realidade. Na distópica cidade de Boulevard, moram apenas pessoas famosas e reconhecidas mundialmente pelo que fazem. Tudo isso é abalado a partir da chegada de Ninguém, um desconhecido, que apenas por ser desconhecido chama a atenção de toda a cidade e vira uma figura mítica. Neste sarcástico conto, Benvenutti brinca com os arbitrários critérios que podem fazer algo virar mito; critérios que parecem se perder na história, de tão interiorizados que são, como explica o semiólogo Roland Barthes no seu clássico Mitologias.


A ironia de Benvenutti, no entanto, não é gratuita: ela parece ser direcionada, em boa parte dos contos, a modos de vida viciados de uma sociedade em estágio de degradação. Posicionado em uma linha de pensamento próxima a contracultura influenciada por John Fante, Charles Bukowski e pelos beats, o autor prefere escancarar a vida dos simples cidadãos do dia-a-dia, dos tipos que podem ser avistados em qualquer fila de banco. Talvez num esforço autobiográfico, ele, contabilista, trace um perfil de um contador, em Ivan.  Mas, é tanta gente nesse mundão fantástico que Benvenutti guarda em sua gaveta. Tem Kelly, Liverpool, Bárbara, Duarte, Xênia, Mauro, Luís, Ítalo, Clint, Luciana, Pedro, Mateus, Dante, Betine, Carlos, Winston... e até um Marcelo, um homem-salsicha, “esperando para ser consumido pelos dois pedaços de pão separados entre as pernas de certas mulheres”.

Arquivo Morto se mostra, desde sua primeira parte, como uma obra madura, com um conceito bem definido e agradável o suficiente para passar tardes inteiras em dedicação a seus contos. Uso aqui, a velha máxima proferida por Julio Cortázar: "No combate entre um texto e seu leitor, o romance ganha sempre por pontos, enquanto o conto deve ganhar por nocaute". Benvenutti, devo dizer, é um excelente pugilista e, em se tratando de textos sobre a finitude, seus nocautes são ainda mais significativos. A Má Fama de Marcelo Benvenutti se perpetua e Arquivo Morto será grande responsável por isto.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

My Name is Rocha. Glauber Rocha.

Siga a cena recorrente do James Bond surgindo no horizonte no trailer
do filme Quantum of Solace abaixo:

E compare com a cena final de Terra em Transe do Glauber Rocha com
o Jardel Filho "imitando" o Daniel Craig:

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Com a Mão na Massa

Quando eu tinha três anos não sonhava com um mundo melhor. Nem sabia que existia outro mundo. Nem mesmo que fosse pior. Meus medos se resumiam ao Hulk, os monstros debaixo da cama e os dinossauros que enfrentam KingKongs. Eu acordava cedo se tivesse a fim, mas meu pai me arrancava da cama assim mesmo. Era chato, porque eu sonhava, só não lembro direito sobre o que. Talvez fossem os mesmo sonhos. Sonhava com carrinhos que voam. Com amiguinhos que jogam bola e não brigam. Mas nós brigávamos porque era divertido e éramos guris ranhentos que peidavam e riam uns dos outros. Meu pai me colocava na frente do computador e tentava me mostrar o que era rock. Minha mãe queria que eu pilotasse Ferraris. Eu nem me importava. Eles que sonhem com os sonhos deles. Eu sei que Bob Dylan não é rock. Eu sei as cores dos Backyardigans, mas sentava no colo do meu para para assistirmos à Turma do Pernalonga. Eu pedia para assistir monstertrucks no youtube. Meu pai mostrava. Minha mãe imitava robôs. Eu já ia na escola, mas tudo era diversão, como sempre deveria ser, como deveria ser o resto da vida. Quem inventou essa bobagem de adulto foi algum recalcado. Não sou eu quem disse. É, meu pai. Eu só tenho três anos e não sei falar tudo o que imagino.
Eu tenho duas namoradas e uma é mais que a outra, mas, como convém, nenhuma das duas sabe disso. Uma acha que manda em mim. A outra, só gosta. Eu gosto de hamburguer, de suco de uva, sacolé, bala de minhoquinha, polenta e sevenboys com goiabada. Adoro que estouem bolhas do alto cada uma delas parecida com um monstro diferente. A Lola é meu horizonte e o Charlie não existe. Queria sentar no banco da frente do carro e xingar junto com meu pai os marcha-lentas com um sai da frente, boca aberta. Aprendi que os chinelos perdidos vão parar lá no cu do mundo. Minhas vovós fazem tudo o que eu quero, inclusive o que eu não quero, o que é bom, pois
daí descubro o que posso pedir. Minha babá me obedece mais que meu cachorro, mas bater
eu só bato na Duda, tadinha, que late e uiva quando eu fico doente.
Gosto de pular, de correr de um lado para outro sem nenhum motivo, de pegar a bola com os pés
na pracinha e avançar como um atacantezinho doido em direção ao gol adversário, sem fazer gols,
só pelo prazer de correr e chutar. Então, eu tenho três anos e quando eu tinha três anos eu era assim. Ou era assim que meu pai achava que eu era. Mas já cansei de falar, afinal, meu pai já tomou mais de um copo de vodca e daqui a pouco não sabe mais se é ele ou eu escrevendo. Tomara que seja eu. Ou ele. Espero que seja sempre assim. Ainda mais agora que eu meto a mão na massa e moldo minha própria vida. Meu pai, minha mãe, meus amigos, espectadores desse delírio do meu pai, não sabem de nada. Quando eu tinha três anos eu era feliz. Todo mundo deveria ser. A vodca acabou, pai. Vai dormir.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Notas do Diário de um Escritor Mal Sucedido

Domingo, 24 de julho de 1951

O romance terminado e entregue aos editores há dois meses. Os editores? Nem aí. Nunca entregue um trabalho que não esteja completamente terminado. Mesmo que isso resulte um grande atraso em sua publicação.

Parece que nunca vou conseguir me livrar das dívidas. Mais um filho em setembro. Fico sonhando com tempo livre para escrever. É difícil, pois tenho de fazer serão para ganhar o suficiente para o sustento da família. Tenho de fazê-lo. Só isso. Estou saturado com meu emprego. Quando chega a tarde de domingo é preciso dedicá-la à família. É importante. Com isso só me resta parte da manhã e a noite de domingo e talvez algumas noites da semana que não tenha muito trabalho a ser feito (no emprego).

Li os diários de Kafka e fiquei desapontado. Na minha opinião contestam todas as explicações críticas de seu trabalho.

Revendo as minhas anotações para os contos que pretendia escrever. Alguns deles se tornaram moles e murchos com o tempo. Como se fossem frutas podres. Eu amadureci.

Mario Puzo

(sem comentários)

terça-feira, 9 de junho de 2009

O tamanho do nosso provincianismo

Enquanto em Porto Alegre cantamos aos 4 ventos nossos cinemas, nosso teatro,
nossos parques, nossas alternativas de lazer em uma Buenos Aires aconchegante,
lá de fora recebemos pauladas como essa:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u578615.shtml

09/06/2009 - 09h08

Falta de lazer aumenta audiência das novelas no interior, diz coluna

Publicidade

da Folha Online

As novelas da Globo têm registrado altos índices de audiências nas capitais fora do eixo Rio-São Paulo, informa a coluna Outro Canal, assinada por Daniel Castro na Folha desta terça-feira (10).

De acordo com informações da coluna, em Porto Alegre, por exemplo, "Caminho das Índias" já alcançou média de 51 pontos, 11 a mais do que a média nacional.

O colunista informa que, além da falta de lazer nos centros mais afastados, a Globo ainda credita o aumento da audiência à fragilidade da concorrência nestas cidades.

O fato de, no horário de algumas novelas, as concorrentes exibirem telejornais voltados para o público de São Paulo também favorece a programação da Globo.


Bem feito pra nós!!!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Faz tempo ...

que não escrevo por aqui.

Blogue é questão de tempo, de saco e de ter o que falar.

Ter o que falar geralmente eu tenho, só não sei pra quem, e se não tiver, vou falar do mesmo jeito.

Saco é algo que tenho mas é o da paciência, e também não me importo com isso.

Mas tempo é o bem mais valioso. Sempre foi. Sempre serã. E quando se é um pai que fica quase todas as noites cuidando de um guri agitado de 3 anos de idade, quando sobra, o tal do tempo, o pai aproveita e vai dar um outro, tempo, pelas ruas, bebendo cerveja, encontrando os amigos, ou então capota e dorme. Vergonhosamente capota no sofá.

A vida de escritor está, temporariamente, perdendo, para a de pai e a de trabalhador. A de trabalhador é a mais triste, pois a burocracia é algo totalmente insuportável para quem faz quase 20 anos vive no meio disso. O saco, aquele ali de cima, está acabando para a burocracia. Não tenho paciência para mais nada burocrático e quando tenho é para destruir com as bases de toda e qualquer idiotice dessas. Por mim que implodissem todos os cartórios, derrubassem todos os governos e exterminassem a fé pública da vida moderna. No auge da falta de saco alguém me pedirá um carimbo para acabar com o mundo. Acabarei assim mesmo.

Pai é o máximo. Só por isso vendo meu tempo. Pois estes 3 anos foram intensos e bem vividos e sei, como todo pai e mãe devem saber, que as crianças, ainda bem, crescem. Mas que já dá uma saudade antecipada, isso dá. Dá. Dá vontade até de chorar. Mas isso vou deixar para mais tarde. Quando eu, se for um cara de saúde e sorte, ficar velho e conhecer meus netos.

Resta a literatura. Eu vivo revisando textos na falta de tempo para criar algo novo. Na verdade o algo novo está sempre sendo criado. O algo novo nunca para de aparecer. Quando sobra tempo escrevo tal qual uma enxurrada depois de uma grande seca. Pode ser que acabe numa catástrofe no começo, mas depois a chuva vai amainando e o texto vem. Desce. Sai do outro mundo, lá onde vivo escondido escrevendo.

Dizem muitos, que escrevem, ou acham que escrevem, que a literatura vem antes de tudo. Não. Não vem. Antes vem a vida. Sempre vem a vida. Mas não a vida que os críticos querem depois falar de como tal autor chegou em tal frase ou quis dizer noutro parágrafo. Não. Essa vida é dos imbecis e dos que não sabem ler. A vida do escritor vem antes quando ela é a sua própria vida. E vivendo essa vida, ele escreve. Escreve quando tem tempo. Depois, vive.

Não é que uma coisa tenha a ver com a outra, não tem, mas, com toda a certeza, não compartilho com a idéia que a literatura vem antes. Na literatura quem vive não sou eu. É outro. E esse outro, o escritor, só aparece assim, quando escrevo. Que gosta de saber que leram o que ele escreveu.

Eu? Eu mesmo quero que vocês se danem e me deixem viver sem chateação.

O Autor.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Segundas de Janeiro

Serra Malte

Se eu quisesse esquecer o que era ser esquecido, bastava ficar só.
Se eu quisesse me perder quando estava perdido, bastava tentar me concentrar.
Me concentrar em algo diluído no ar, em frente aos meus olhos.
Me concentrar em algo que perdi no esquecmento.
Algo que esqueci em minhas perdições.
Bastava querer sentar sozinho e escutar Bowie sem entender nenhuma letra,
se bem que Sabbath também me serviria e teria o mesmo efeito.
O torpor nas dores musculares. As costas retraídas não iriam mais doer.
A pressão na barriga diminuira.
Bastava eu ficar parado no espaço do trânsito, bebendo solitário na avenida
larga, escura e vazia. Deixar me esparramar pelo asfalto da noite, o vento pela janela,
um futuro sem futuro. Um passado que não me queria. Um presente tardio.
Um passo para o nada.
Um passo para a felicidade se é que existe essa tal.
Se eu quisesse parar de pensar bastava ficar só e tudo seria nítido.
Tão nítido que eu não beberia.
Tão nítido que eu esqueceria porque bebia.
Se eu quisesse chegar perto daquilo que sinto hoje, não estaria escrevendo.
A felicidade existe.
Existe sim.
E eu sei que existe.
E isso é que nos faz querer esquecer.
Porque depois ela volta com toda a força.
Bastava que eu abrisse uma cerveja e ficasse só.
Comigo mesmo.
Mas agora já senti o gosto.
E preciso beber para saber o quanto vale a felicidade.
Não deixa de ser uma desculpa.
E é.