terça-feira, 2 de outubro de 2007

CARLITO

Mal chegamos à Buenos Aires e a Betine louca por um cigarro larga na minha frente após esperar que eu praticasse meu primeiro ato na capital argentina; cagar no banheiro do desembarque. Chegamos na área dos táxis e aquele acúmulo de homens hablando castejano (vou escrever como eles falam por aqui) e perguntando para aonde iríamos. Nós pesquisamos antes para não sermos enganados nas corridas de táxis. O primeiro taxista, ou motorista de remis que são “taxistas” sem bandeira que fazem uma corrida acertando antes o valor, nos diz que vai cobrar 75 pesos de Ezeiza até o bairro de Palermo. A Betine continua fumando e então vem outro. Um nariz enorme de bolota cheio de desenhos nas rugas aparece na minha frente. Para onde vocês vão? Palermo, respondo. Que altura? Paraguay, 4539. 65 pesos, responde o remisero (acho que é assim que se chama). Eu olho desconfiado e ele continua. No equisiste más econômico! Los otros vão pelo centro e eu sei o caminho certo. A Betine faz sinal que ainda está fumando. O remisero tasca de volta. Podes fumar no meu carro. A Betine sorri. Agora eu sei que ela vai adorar Buenos Aires.

Na tosquice do entendimento dos porteños com o português nos resta entender quase tudo que o remisero fala e ter paciência para que ele nos entenda. Mesmo sendo eu um desligado de marca maior. Logo de cara ao entrarmos no Renault esbodegado do cara, um chapéu de malandro argentino no banco de trás, eu mexo no casaco e o motora olha pelo retrovisor e fala: se quiere retirar lo saco, puedes retirar. Esqueço momentaneamente minhas aulinhas de espanhol no Google e faço uma cara estranha até a Betine me lembrar que saco é casaco, anta porto-alegrense.

O remisero abra as janelas não se importando com o frio de 13 graus da manhã e vai acelerando pela auto-pista. Aca fica la AFA onde treinam os jogadores de la seleción. Eu admiro a informação, nem tanto a Betine. Mais adiante ele explica que Ezeiza fica a 38 quilômetros de Downtown. Esses argentinos fazem uma confusão na cabeça do cara. Não entendem nada de português e falam com a gente misturando inglês com o castejano arrevesado deles. Eu pergunto. E do centro, pra ele ver que eu sei que centro é centro e não Downtown de gringo, até Palermo, quantos quilômetros são? De centro até Palermo, responde ele, são 15 minutos de Subte (o metrô deles) ou 30 minutos de ônibus, colectivo me acentua como se eu não soubesse o que é ônibus. Eu repito a pergunta. Quantos QUILÔMETROS? Ele responde a mesma coisa. Desisto.

Lá pelas tantas chegamos no primeiro pedágio. O motora paga e eu vejo que o peaje (peárre ele corrigi minha pronúncia) custa 70 centavos de pesos. Eu explico que de Porto Alegre até las playas (ou plajas, não sei mais) numa estrada parecida com aquela, pagávamos cerca de 10 pesos. Ele faz cara de espanto e logo adiante sai explicando que de um lado se vai para o Autódromo e mais adiante se vai para La Plata. La Plata de Estudiantes, pergunto. Si, responde ele. Daí não me agüento e continuo. E usted és hincha de que time? Ele demora para entender meu castejano de araque e responde: Independiente! Não me agüento e mesmo correndo o risco de levar uma bolsada da Betine continuo. Independiente de Burruchaga! Fez o gol em Grêmio dela em 1984. Independiente campeón. Era o que faltava para o remisero se abrir. Si. Independiente! E puxa um jornal, jô soy Carlito e mira quem está acá. Na capa do Diário de Deportes, um Diário Gaúcho só de futebol de lá, está Carlito de uniforme levando o Messi do Barcelona na saída do Aeroporto. Ele sorri. Maradona me pediu para que fosse buscar Messi. Messi é meu amigo. Maradona, Maradona é meu amigo! Por mim a viagem já está paga só em escutar as histórias desse Carlito. Ele é mais ou menos como se fosse o Paulo Sant’Anna só que com o nariz mais deformado do planeta. É uma figuraça. Aumenta o volume do rádio que toca tango e me pergunta se sei bailar. No. Jô no lo se. E te gusta tango? Largo um si meio tímido. Eu gosto das letras de desgraça e vingança e dor de corno. São as mesmas do samba dor de cotovelo. Ele não se agüenta mais no banco da frente. O locutor desta rádio é meu amigo! Esse Carlito é demais! É o cara! No final, sem trocado, deixo 70 pesos pela corrida e ele nos dá o telefone dizendo que na volta nos cobrará 55 pesos se combinarmos um dia antes. Nós, bêbados pelas noches e insones de dia, não ligamos. Mas fiquei triste de não terminar minha primeira viagem até Buenos Aires com meu amigo Carlito. Amigo de Messi! De Maradona! E do locutor da rádio! Puta madre!

3 comentários:

João disse...

Gostei muito dessa mistura entre castelhano e português...
Você deu sorte de encontrar um remiseiro(?) tão carismático

Joe Bass disse...

Caralho, só rolou esse Carlito durante a viagem toda???

Anônimo disse...

Valeu pelas dicas de leitura na CidadeB.
Abraço