sexta-feira, 24 de julho de 2009

Com a Mão na Massa

Quando eu tinha três anos não sonhava com um mundo melhor. Nem sabia que existia outro mundo. Nem mesmo que fosse pior. Meus medos se resumiam ao Hulk, os monstros debaixo da cama e os dinossauros que enfrentam KingKongs. Eu acordava cedo se tivesse a fim, mas meu pai me arrancava da cama assim mesmo. Era chato, porque eu sonhava, só não lembro direito sobre o que. Talvez fossem os mesmo sonhos. Sonhava com carrinhos que voam. Com amiguinhos que jogam bola e não brigam. Mas nós brigávamos porque era divertido e éramos guris ranhentos que peidavam e riam uns dos outros. Meu pai me colocava na frente do computador e tentava me mostrar o que era rock. Minha mãe queria que eu pilotasse Ferraris. Eu nem me importava. Eles que sonhem com os sonhos deles. Eu sei que Bob Dylan não é rock. Eu sei as cores dos Backyardigans, mas sentava no colo do meu para para assistirmos à Turma do Pernalonga. Eu pedia para assistir monstertrucks no youtube. Meu pai mostrava. Minha mãe imitava robôs. Eu já ia na escola, mas tudo era diversão, como sempre deveria ser, como deveria ser o resto da vida. Quem inventou essa bobagem de adulto foi algum recalcado. Não sou eu quem disse. É, meu pai. Eu só tenho três anos e não sei falar tudo o que imagino.
Eu tenho duas namoradas e uma é mais que a outra, mas, como convém, nenhuma das duas sabe disso. Uma acha que manda em mim. A outra, só gosta. Eu gosto de hamburguer, de suco de uva, sacolé, bala de minhoquinha, polenta e sevenboys com goiabada. Adoro que estouem bolhas do alto cada uma delas parecida com um monstro diferente. A Lola é meu horizonte e o Charlie não existe. Queria sentar no banco da frente do carro e xingar junto com meu pai os marcha-lentas com um sai da frente, boca aberta. Aprendi que os chinelos perdidos vão parar lá no cu do mundo. Minhas vovós fazem tudo o que eu quero, inclusive o que eu não quero, o que é bom, pois
daí descubro o que posso pedir. Minha babá me obedece mais que meu cachorro, mas bater
eu só bato na Duda, tadinha, que late e uiva quando eu fico doente.
Gosto de pular, de correr de um lado para outro sem nenhum motivo, de pegar a bola com os pés
na pracinha e avançar como um atacantezinho doido em direção ao gol adversário, sem fazer gols,
só pelo prazer de correr e chutar. Então, eu tenho três anos e quando eu tinha três anos eu era assim. Ou era assim que meu pai achava que eu era. Mas já cansei de falar, afinal, meu pai já tomou mais de um copo de vodca e daqui a pouco não sabe mais se é ele ou eu escrevendo. Tomara que seja eu. Ou ele. Espero que seja sempre assim. Ainda mais agora que eu meto a mão na massa e moldo minha própria vida. Meu pai, minha mãe, meus amigos, espectadores desse delírio do meu pai, não sabem de nada. Quando eu tinha três anos eu era feliz. Todo mundo deveria ser. A vodca acabou, pai. Vai dormir.

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