segunda-feira, 28 de maio de 2012

Rory Gallagher, Fantasma do Rock

Rory Gallagher é um fantasma. Não, vocês não acreditam? Rory viveu 47 anos sobre esta terra e passou flamejante e insano como um foguete de von Braun, rasante sobre o céu da Europa e América, Rory nasceu sob o espírito iluminado dos deuses do blues e do rock. Não é a técnica que faz de um simples homem um santo a perpetrar os caminhos inavegáveis deste mundo. É preciso ter alma.

Fantasmas têm alma. Sei porque eles me dizem à noite, enquanto durno. Somos irmãos e bebemos na mesma fonte alcoólica de desejo e obsessão. Os fantasmas são obsessivos. Rory morreu na década de 1990, em meio aos noticiários da recente morte do rock, de Kurt Cobain e o fim dos tempos. Rory não tinha mais fígado. Quem sabe ele trocasse seu fígado por mais 40 anos tocando guitarra? Quem sabe? Um transplante mal sucedido deixou a Irlanda em prantos e os fantasmas em polvorosa. O rock morreu com Rory Gallagher.

Rory começou sua carreira no explosivo trio Taste, tão genial quanto Cream, tão explosivo quanto Yardbirds, tão homérico quanto Jimi Hendrix Experience ou catártico quanto Doors, Taste se impregnou tanto de blues e rock que se vitimou em meio às personalidades conflitantes. Assesdiado por Rolling Stones e Led Zeppelins, Rory decidiu seguir seu próprio caminho. As bigbands eram pouco para seu séquito. O caminho dos santos do rock'n roll. Como santo, ou fantasma agora canonizado, Rory Gallagher carregava sua Fender Stratocaster de 1961 gasta e suja como se fosse um cajado a pregar pelo deserto de infieis suas letras que falavam de adversidades, amor e álcool. Para se atingir a alma do público somente a técnica não é suficiente. Técnica muitos tem. A obsessão santa de certos homens nasce diante de nossos sentidos perplexos.

Rory extrapola os sentidos. Os milhares de sons sobrepostos e incendiários que sua guitarra reverbera pela eternidade virtual, sem subterfúgios, sem pedais, somente elocubrações etéreas entre seus dedos, um doce cavalheiro irlandês, um homem simples a pregar as palavras do rock, em meio ao uísque, a cerveja e a noite, Rory preferia o povo, os discursos para a plateia, santo perambulante a tocar pelo mundo, independente da companhia, os homens escolhidos, Rory é assim, sem pontuação um guitarrista, um self-made-man, um enfant terrible e um rock star paradoxal sem se deixar perder pela fama. Rory desdenhava da fama. Preferia a música. E nós preferimos Rory.

Certa noite, na mesma noite em que se apresentava, Hendrix viu um show de Rory Gallagher. O público, exaltado, só falava daquele cabeludo usando camisa de flanela, cara de guri, debulhando notas, símbolos e descontruindo a sociedade moderna com sua simplicidade avassaladora e sincera. Alguns dias depois, perguntado sobre quem era o maior guitarrista do mundo, enciumado, Jimi respondeu: Perguntem à Rory Gallagher. E é isso que devemos perguntar. Quem é?

Eu, por mim, respondo: Rory Gallagher.

E sigo seu caminho santo em nome de todo o rock'n roll. Amém.

 
Uma hora e meia de rock e blues com Rory Gallagher

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