segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Caminhando Pelo Centro

A Feira do Livro é uma boa desculpa para pessoas como eu que deixaram de conviver, por comodidade, falta de tempo ou mesmo por não ter mais referências, caminhar pelo centro de Porto Alegre. Vivi minha infância e minha adolescência no bairro São João e o centro pra mim era o lugar onde meu pai trabalhava, ali na Coronel Vicente. Lugar gigantesco, prédios altos, o Centro me amedrontava. Quando era guri mesmo um tempo fiquei com medo por conta do noticiário da época do incêndio do prédio da Renner. Imaginação demais.

Comecei a conviver diariamente com minha entrada na UFRGS e o trabalho de contador e visitas a clientes e órgãos públicos. Muitas vezes, no intervalo das aulas, saía da João Pessoa só pra descer a Borges e caminhar pela Rua da Praia. A cinzenta Rua da Praia. É estranho mas eu gosto daquele cinza, do vento encanado e frio, das sombras dos prédios. E claro, me infiltrava na Galeria Chaves ou na Luza e ficava horas remexendo e ouvindo todos os discos de vinil de rock sem comprar nenhum.

Outras vezes caminhava até a Independência e ficava de bobeira na Megaforce, mexia em todos os discos e comprava um patch do Black Sabbath feliz da vida. Depois descia a Rua da Praia de novo e me deixava assistir ao movimento na Praça da Alfândega. Isso quando não estava trabalhando fazendo serviço de boy do escritório do meu pai. Aí caminhava rápido, e se aprende muito caminhando no Centro de Porto Alegre. O principal é aprender a andar sem guarda-chuva. Guarda-chuvas só atrapalham. A não ser que as marquises caíam dos céus, caminhar na chuva é o meio mais rápido e seguro, impede pontas de metal nos olhos, de deslocamento.

E a Praça da Alfândega ali, seus velhos jogadores de dama com tampinhas de garrafa, os punguistas pelos cantos, as prostitutas desdentadas nos bancos e os mendigos pedindo um troco para aquela turma de setentões que ainda vai lá fazer o footing e beber o café que não existe mais. Tem de tudo. Basta ser esperto. Sim, seria bem melhor ter mais segurança. Mas quem tem segurança? O amante do alheio é adepto da economia de mercado. Ele ataca onde existe demanda. O Centro de Porto Alegre é tão seguro quanto qualquer outro bairro da cidade. O preconceito está, como sempre, nos olhos de quem vê.

E a Feira, apesar de suas estruturas e de seus defeitos, chama à volta esse convívio. Nem me importo se não comprar livro algum. Só caminhar no centro já é uma leitura. Leitura de pessoas, de lugares, de histórias do pé de ouvido. O Centro é uma referência literária. Se não fosse, do que estaria escrevendo eu agora?

(publicada dia 18/11/2011 no Diário Gaúcho)

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