Comecei a conviver diariamente com minha entrada na UFRGS e o trabalho de contador e visitas a clientes e órgãos públicos. Muitas vezes, no intervalo das aulas, saía da João Pessoa só pra descer a Borges e caminhar pela Rua da Praia. A cinzenta Rua da Praia. É estranho mas eu gosto daquele cinza, do vento encanado e frio, das sombras dos prédios. E claro, me infiltrava na Galeria Chaves ou na Luza e ficava horas remexendo e ouvindo todos os discos de vinil de rock sem comprar nenhum.
Outras vezes caminhava até a Independência e ficava de bobeira na Megaforce, mexia em todos os discos e comprava um patch do Black Sabbath feliz da vida. Depois descia a Rua da Praia de novo e me deixava assistir ao movimento na Praça da Alfândega. Isso quando não estava trabalhando fazendo serviço de boy do escritório do meu pai. Aí caminhava rápido, e se aprende muito caminhando no Centro de Porto Alegre. O principal é aprender a andar sem guarda-chuva. Guarda-chuvas só atrapalham. A não ser que as marquises caíam dos céus, caminhar na chuva é o meio mais rápido e seguro, impede pontas de metal nos olhos, de deslocamento.
E a Praça da Alfândega ali, seus velhos jogadores de dama com tampinhas de garrafa, os punguistas pelos cantos, as prostitutas desdentadas nos bancos e os mendigos pedindo um troco para aquela turma de setentões que ainda vai lá fazer o footing e beber o café que não existe mais. Tem de tudo. Basta ser esperto. Sim, seria bem melhor ter mais segurança. Mas quem tem segurança? O amante do alheio é adepto da economia de mercado. Ele ataca onde existe demanda. O Centro de Porto Alegre é tão seguro quanto qualquer outro bairro da cidade. O preconceito está, como sempre, nos olhos de quem vê.
E a Feira, apesar de suas estruturas e de seus defeitos, chama à volta esse convívio. Nem me importo se não comprar livro algum. Só caminhar no centro já é uma leitura. Leitura de pessoas, de lugares, de histórias do pé de ouvido. O Centro é uma referência literária. Se não fosse, do que estaria escrevendo eu agora?
(publicada dia 18/11/2011 no Diário Gaúcho)

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