segunda-feira, 16 de abril de 2007

P-O-L

Sexta-feira, treze de abril.

Nesses dias em que tudo acontece, ou nessas semanas em que tudo acontece, mais uma prova que, para quem não acredita, o escritor não precisa ir atrás das histórias. Elas vêm até ele quando ele menos espera. Ou, como a vida de contador não tem nada de enfadonha ou burocrática.

Qualquer dia anterior da semana.

Atendo o telefone.
Sim.
Vocês fazem imposto de renda?
Sim.
Ah, tá. Eu sou aposentada e quero ver se tenho direito à restituição. Quanto vocês cobram?
Tananã $$$
Tudo bem. Passo aí até o final da semana.

Sexta, onze da manhã.
Abro a porta e entra uma senhora, nem arrumada, nem dessarumada, apenas uma aposentada com cara de aposentada mesmo, bolsa marrom, roupa estampada, cabelo preso e olhos claros e estranhamente esbugalhados.
O senhor é o contador?
Sim.
Bom, eu vim fazer meu imposto de renda, a aposentada se aprochega e fala quase no meu ouvido, mas tu não tem uma sala em que possamos conversar longe dos chineses, coreanos, desses negos e poloneses? Não tenho tempo de responder e ela me chama para o corredor do prédio e fecha a porta do escritório, sem antes de falar fechar também as janelas do corredor.
Eu não posso te falar nada na frente dos poloneses. Faz muito tempo que eles trabalham contigo? (não tenho tempo de responder) Bom, agora a gente é governado por uma paulista, sabe? Ela estudou em São Paulo com o nosso dinheiro e agora eles mandam na gente. Começo a concordar, afinal já notei que a mulher é doida, mas não sei aonde isso vai terminar e tô mais é pensando é se ela realmente tem uma declaração a ser feita e se eu vou tirar um troco nessa.
Sabe o que é? Ela me diz. Tenho um imóvel que recebi de herança do meu pai, imagino quando o pai dela morreu pois ela já deve ter mais de setenta anos e não cala a boca, e, interrompe a linha de pensamento e fala de novo, faz muito tempo que tu trabalha com esses chineses, negos e poloneses? Confia neles? Ó, eles vão te tomar tudo, ein? E depois vai abrindo a bolsa, eu já espero que ela tire qualquer coisa lá dentro, inclusive uma faca ou um revólver, sei lá, vai que ela ache que eu sou polonês. Me mostra uma declaração em papel. Tu entrega a minha em formulário em papel, não é? Consigo falar. Não, nós só entregamos pela internet. Não, mas tu tem que entregar em papel, ela responde. Pela internet essa Yeda vai me tirar todo o dinheiro. Ela e a construtora. Sabe que tentaram matar meu filho? Eles, os poloneses, os chineses, os negos. Não entrega pela internet. Nem pelo telefone. Eu não confio neles. Não, a gente só entrega pela internet. Entrega na tua casa. Faz na tua casa. Não posso, respondo. Ela aponta o interruptor de luz. Tá vendo isso? Eles fabricam em Minas Gerais. Os mineiros. Tão dominado tudo. Faz muito tempo, aponta com a cabeça em direção à porta, que eles trabalham contigo? (me controlo para não rir na cara da mulher. é muita piração até pra minha cabeça) Eles vão te pegar tudo. Não tenho tempo para responder de novo. E daí ela puxa um papel de ações da CRT. E isso aqui vale alguma coisa? Não vale nada. Ação de telefone não valem mais nada. A senhora pode entrar na justiça, mas vai demorar décadas e não vai receber nada. E o imóvel? Quanto é o valor? Mais que oitenta mil? Pergunto algo, enfim. Não, ela me responde. Então a senhora não é obrigada a entregar a declaração. Ela me olha assustada. E continua.
Mas o senhor tem que se cuidar com os poloneses. Olha só, e chega mais perto de mim. Pê. Ó. Éle. P-O-L. Pol. Entende. Poloneses. Marco Polo. Polícia. P-O-L. E aponta para dentro da sala. Poltrona! Eles vão dominar tudo. O senhor que se cuide. Já tentaram matar meu filho. POL. Poloneses. O interruptor. Essas construtoras trazem lá de Minas Gerais. A Bortoncello faz parte de tudo isso. Polícia. Poloneses. Poltrona, aponta de novo para dentro da sala. Faz muito tempo que tu trabalha com os chineses e os negos? Te cuida com eles. Não respondo nada. não tenho nada mais para responder. Ela guarda os papéis na bolsa e chega perto de mim de novo apontando para o próprio olho esquerdo. Pensa que eu não sei, sou quase cega desse olho mas eu enxergo. Pol. Poloneses. Eu sou escoteira, e vai se afastando. faz um V com os dedos da mão esquerda e aponta para os olhos, sempre alerta, eu sou escoteira. Quer meu telefone? Eu respondo que ela pode ligar. Ela disse que não. Eles podem atender. Eu que me cuide. E desce as escadas do prédio.

Depois desse acontecimento, tudo pode acontecer.

E cuidado com "eles", amigo!

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Vardaman

Sempre leio leitores e autores (maldade quando te chamam de autor, não, é? é uma crítica velada e bem sacaninha) comentando sobre os melhores começos de romances ou melhores primeiras frases ou melhores primeiro parágrafos. Confesso que não compreendo essa necessidade imediatista do início da história. Eu mesmo quando estou numa livraria ou numa biblioteca e não conheço nada do livro ou do autor, abro o livro numa página qualquer. É simples. Se lá pelo meio do livro, ou por qualquer página, tanto faz, o autor me puxa pra dentro da história, eu vou ter vontade de ler o resto do livro, inclusive, fora da ordem que o autor publicou. Claro que isso é uma caracterítica da minha personalidade. Do meu modo de ler. De assistir filmes. Eu posso pegar qualquer história pela metade e montar o começo e o fim que eu quiser. Logo, se a história me puxa pelo miolo, eu vou querer saber como ela chegou naquela parte e para onde ela vai se dirigir. A minha curiosidade aumenta. Daí que prefiro procurar pelas melhores QUAISQUER partes de um romance, de um conto, de uma poesia, de um tudo. Hoje, por exemplo, abri de novo o Enquanto Agonizo do William Faulkner só pra ler esse capítulo:

VARDAMAN

Minha mãe é um peixe.

Depois de ler um capítulo assim, é ÓBVIO que vou ler o restante do livro.

E fodam-se os melhores começos que isso é coisa de punheteiro.

(em breve, algo que muitos odeiam, poeminhas)

(viva a skol 500ml)

terça-feira, 3 de abril de 2007

Novas "leituras" do Lorenzo autorizadas pelo pai:

- Acabou de destruir Veias Abertas da América Latina do Eduardo Galeano. Tudo bem.O pai não teria saco pra ler um livro que não abre desde os 16 anos.


- Aniquilou Contraponto do Aldous Huxley. Esse eu nem consegui ler. Muito intelectualóide. Muito chato. Prefiro livros mais rasteiros, tipo Admirável Mundo Novo, que vai direto ao assunto e me diverte pacas.


Abaixo vai outra "leitura" dele. Mas esse o pai não deixou ele destruir. Não por ser comunista, mas porque, pra mim, o Manifesto Comunista é um ótimo livro de ficção.