sábado, 3 de novembro de 2007

UM FERIADO COM LORENZO

Todos os dias das oito da noite até as duas da manhã somos nós dois aqui neste apartamento ou onde quer que a gente vá. Mamãe Betine está trabalhando e os homens dominam a área. Nós sentamos no sofá, o Lorenzo se permite sentar no meu colo de vez em quando, para assistirmos televisão. Assistimos futebol, de preferência Portuguesa e Gama pela Série B, Arsenal e Chivas pela Copa Sul-Americana ou algum jogo de Rugby, pena que esses só passem de vez em quando. O Lorenzo grita gol e levanta os dois braços. Ou então eu vou trocando de canais de filmes até que ele preste atenção em algum. O Lorenzo acaba paralisando em coisas do tipo Steven Seagal ou Duro de Matar. Juro. Não sou eu que escolho. É ele. Enfim.

Pois ontem de noite o Papai foi ver o time decadente dele empatar em casa com o Sport Recife e deixou o Lorenzo na casa da vovó. Depois pegamos a Betine no caminho e voltamos para casa. Lorenzo dormiu para valer mesmo só lá pelas cinco da manhã. Sim. Mas o Lorenzo faz mais de três ou quatro meses, nessas horas a gente perde a noção de dias, meses ou anos, dorme lá pelas quatro da matina, com o horário de verão, cinco. Com o pai e a mãe detonados do resto da semana e a mãe ainda tendo que trabalhar no jornal, sobra pro pai o serviço completo.

Levanto da cama às três e meia da tarde, que eu também não sou de ferro. O Lorenzo pelo jeito já estava acordado um pouquinho antes. Fica falando sozinho no berço enquanto vira de bunda pra cima e se revira no colchão. Eu nem passo pelo quarto, mas já sei o que se passa por lá. Vou para a cozinha cortar umas quatro laranjas de umbigo para fazer o suco de laranja do moço. Bato no liquidificador com água e açúcar enquanto requento uma papinha congelada com um pouco de água e sal na panela. Nós dois não sabemos cozinhar direito, então dependemos das papinhas congeladas da vovó de Bento Gonçalves, a mãe da mamãe, ou das comidinhas da Cris, a babá, que faz a ponte entre a mãe sair de casa e o pai chegar do trabalho. Confuso, não? Agora vocês entendem um pouco do horário confuso do senhor Lorenzo, como eu o chamo quando quero que ele faça algo que eu já sei de antemão que ele não vai fazer.

Tiro o Lorenzo da cama e tento fazer ele comer a papinha. Ele não quer. E berra. Ele anda chateado com um resfriado que não vai embora nunca. Berra mais ainda. Escorre água e ranho pelo nariz. Eu limpo com um pano. Ele fica brabo. Berra mais do que antes. A Betine acorda atrasada para tomar banho e chegar no jornal. Na verdade ela vai chegar no horário, mas ela foi criada em Bento, eu entendo, o pessoal de lá respeita os horários e isso é louvável. Eu não respeito. Quase sempre chego colado nos horários ou atrasado mesmo. Depois que a mãe sai decido que é hora de passearmos. O Lorenzo não foi com a cara da papinha e não adianta insistir e agüentar ele berrando de raiva. Pego uma mamadeira de suco, coloco ele no carrinho e vamos para a rua.

Primeiro passamos na pracinha aqui da Vicente. Muitos pais e mães, afinal hoje é feriado. Tiro o Lorenzo do carrinho para ver se ele se enturma com as outras crianças. Ele corre atrás de uma bola no meio do jogo de dois irmãos, um guri e uma guria, e logo depois desvia e vai reto em direção ao meio da rua. Eu pego ele no colo. Depois ele faz isso na caixa de areia. E na calçada da pracinha. Sempre fugindo para o lado da rua onde passam os carros. Coloco o Lorenzo no balanço e ele incrivelmente fica quieto enquanto observa um guri brincando de jogar a bola para um cachorro buscar e trazer.

Decido que a pracinha não era e vou em direção à Praia de Belas. Vejo que o parque de diversões está aberto. Penso, ingenuamente, em dar uma volta para que o Lorenzo veja os brinquedos, afinal ele tem dezoito meses e não vai ter chance de se divertir em quase nenhum brinquedo. Que nada! O parque cobra ingressos para entrar e poder utilizar todos os brinquedos. Não era assim quando eu era criança no século passado. Parque de merda. Modernidade bobalhona. Dezoito reais para passear entre uns tapumes brancos e feios? Vão se catar, não é?

Prefiro chegar no shopping. Além do supermercado, a única loja interessante aberta é uma livraria Siciliano. Só que estamos em época de Feira do Livro e eles, supostamente, venderiam tudo com 20% de desconto. Venderiam sim. Só que apenas nas compras acima de 60 reais. Baita merda. Fico observando os livros quase todos na casa dos 40 ou 50 reais e penso bem, deveria comprar dois livros para ter direito ao desconto. É ridículo. Eu não tenho verba para isso. E se tivesse não daria um real para ler sobre o livreiro de Cabul ou como deve ser interessante a vida do Edir Macedo. Bosta de cultura, quer dizer, Siciliano. Logo, entramos no Nacional e vamos direto ao que interessa ao papai. Bebidas. Os vinhos até estão baratos, afinal é costume não beber vinho quando está chegando o verão. Mesmo que o termômetro de rua marque 17 graus numa tarde de novembro, o Trapiche por 14 reais não me convence e atravesso o supermercado em direção ao lado das cervejas atrás de uma marca que só vendem por lá. Therezópolis. É uma cerveja do Rio de Janeiro. Boa. Só uma garrafinha de 600 ml já me bastaria. Mas hoje ela não está na prateleira. O Lorenzo olha para o corredor das latinhas e longs e aponta o dedo e fala: Papai! Tô frito. Meu filho já me reconhece por latinhas de Brahma. Que mundo! Pego duas pizzas congeladas para jantar com a Betine, uma caixinha de chá verde para beber gelado e um Gatorade. Não me perguntem daonde saem essas compras. Outro dia sai de noite com o Lorenzo e cheguei no caixa do Big com uma embalagem de presunto,um desentupidor de ralo, um carrinho de fricção e uma garrafa de Absolut (era meu aniversário).

Voltamos para casa. Minhas costas detonadas do troca-troca de levar Lorenzo no colo e no carrinho. Guardo as compras e tento, de novo, fazer o Lorenzo comer a papinha do mal. Ele não quer. Cospe em cima da cadeirinha. Vou até o armário da cozinha e tiro uma papinha de carne da Nestlé. Esquento um pouco e sirvo para o moço. Ele devora tudo. Tenho vontade de dar uns tapas nesse malandrinho. Óbvio que não darei, mas ele é muito esperto e sabe quando estão tentando lhe empurrar porcarias. Ou o que ele considera porcaria. Depois quando ele vai abrir a geladeira pela centésima vez seguida, eu tiro o antigo trancador de portas para bebês safados por um novo, mais resistente, e fechona parte mais alta da porta. Ele não consegue abrir. Me ordena que eu abre. Eu não abro. Ele berra mais alto. Vai até o canto onde ele se enfia na cozinha, embaixo do tanque e se acoca. Faz cara de que faz cocô. Ele faz cocô. Ele fede a cocô. Ele fez cocô. Quando troco a fralda ele mexe as pernas e se suja ainda mais da merda meio mole, ele anda ruinzinho mesmo, e eu me irrito e coloco só a fralda nova no lugar das calças. Deixo ele andando pra lá e pra cá e preparo o banho. Tudo transcorre normalmente no banho, enquanto assistimos Brasil e Venezuela no campeonato sul-americano Sub-15, partida importantíssima, até que após o banho, o Lorenzo se estressa com a girafa que faz barulhos quando cai uma bola e ele se ajoelha chorando do lado dela. É o sono chegando. Nove da noite. Ele chora e só se acalma quando deita de bruços no sofá e adormece comigo dando tapinhas na bunda dele enquanto eu assisto o final dos Bacyardigans no Discovery Kids. Muitas vezes acabo assistindo até o fim os episódios repetidos das animações do Discovery. Ajeito o mocinho no berço e termino de beber minha Pilsen que me esperava na geladeira. Quase durmo na frente do computador enquanto conto as novidades para a Betine no MSN.

O Lorenzo levanta só às onze e meia da noite depois de ficar mais de meia hora me embromando cada vez que eu tentava tirá-lo do berço. Ele dizia: Não! Puto! É, a vovó de Porto Alegre ensinou palavrões pra ele. Fala na seqüência “sai chata, boba e cu”. E se pilharem, engata um “merda”. Finalmente está chegando a hora da mamãe voltar do trabalho, não sem antes o Lorenzo berrar por um bom tempo por qualquer coisa que o contrarie, eu deixo por conta do resfriado, coloco Sorine no nariz remelento dele e o guri vai se acalmando. Ele é de índole zombeteira e quase sempre bem-humorado, a não ser quando acorda, mas quem não é mau-humorado quando acorda? Misturo Coca-Cola com vodka, minha única refeição foi pão com queijo e maionese e um pacotinho de Pastelina durante todo o dia, e o Lorenzo come um pote de iogurte com laranja e mamão, reclama compulsivamente da porta da geladeira trancada, esconde os carrinhos embaixo do sofá e pede para entrar no cercado enquanto joga todas as bolinhas de plástico para fora quando está do lado de dentro, obviamente. O Lorenzo está imundo de novo, eu estou suado e cansado, apesar do friozinho de primavera, a televisão exibe as mesmas merdas de sempre e o mundo continua exatamente a mesma bosta que tem sido desde que eu o conheço. Quem se importa com tudo isso, quando tem o sorriso do Lorenzo para iluminar seus dias e tornar mais ébrias suas noitadas cansadas e destrutivas de pai de primeira viagem?

Eu amo tudo isso!

3 comentários:

Ítalo Ogliari disse...

Que epopéia, hein? Gostei do texto...

Um abraço

Joe Bass disse...

Amigao, vamos atualizar essa porra?
Assim fica parecendo que o Lorenzo so teve a presenca do pai em um puto feriado toda a vida.

Recado passado, beijos

Emerson Wiskow disse...

Opa! Cara, um amigo meu me emprestou o livro O Ovo... e disse para eu ler. Depois falou do teu blog e eu resolvi conhecer. Gostei dos textos.
grande abraço