Carros faziam retornos proibidos para escapar das águas que subiam rapidamente na Benjamin Constant. Quando um ônibus passava dava pra surfar de uma calçada até a outra. Numa loja próxima, o segurança ostentava um enorme pedaço de pau. De saída não percebi o que acontecia. Até que um rato se aproximou de mim. O segurança e outros na volta começaram a berrar. Mata! Mata com o tênis! Eu olhei para o rato. O rato não era um rato. Era um gato. Um cachorro. O rato era mais alto e mais comprido que o meu pé. Enquanto isso a turba urrava lá da loja. Pisa em cima!
Pensei em pisar, mas, podem acreditar, o rato parou e me encarou. Tinha enormes olhos brancos. Mexeu a boca, o bigode se balançando todo, e grunhiu palavras de rato. Claro que não entendi nada. Tinha um olhar esbugalhado de desespero. O olhar do rato vinha das entranhas de um ser vivo em fuga. Se lá fora o mundo era um caos, com aquela chuva toda, o mundo dele literalmente desabava. Talvez ele tentasse me contar algo assim. Meu mundo caiu1 Talvez fossem estas suas palavras. Quando esbocei uma reação, responder, grunhir, sei lá, ele se enfiou num canteiro.
Pouco depois, a chuva diminuindo, resolvi tomar meu rumo. Tinha perdido a hora do descanso e só me restava voltar ao trabalho. Pelo menos não precisava mais sair a nado. Escutei gritos e virei para trás. O segurança rindo como um guri que acertou a bola num jogo de taco. Tinha acertado o rato. Jogaram seu corpo de volta às águas que retornavam ao esgoto. É, meu amigo, quando os ratos pedem auxílio aos homens o que restará aos homens?
(publicado no dia 27 de Janeiro de 2011 no Diário Gaúcho)
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