MEU AMIGO BOB
São seis meses em casa, não totalmente em casa, mas a maior parte do tempo, trabalhando e vivendo enquanto esperamos o fim de tudo, da pandemia, da escalada de estupidez que tomou conta do Brasil. Eu, Lorenzo, a gata Miauski e meu amigo Bob, já que a Betine ficou presa em Bento, separados por um vírus, aqui estamos.
Confesso que nunca fui muito de levar cachorro pra passear, o Bob se acostumou a ficar em casa, latindo na sacada e observando o movimento alheio. A umidade renitente do inverno portoalegrense trouxe pra ele a alergia de pele e a otite, de formas violentas as duas. Foram mais de dez visitas à clínica veterinárias e centenas de reais gastos para ajudar meu amigo Bob.
Limpar ouvidos várias vezes ao dia, colírio nos olhos secos, banho de xampu caro uma vez por semana, secar todo o pelo, aparar, passar creme na pele pra aliviar a coceira e o vermelhidão, sofreu esse meu pequeno amigo. E nessas idas e vindas ele começou a gostar de sair, mesmo que continue sendo o velho Bob de sempre. Nunca foi muito de caminhar. A lei do menor esforço chegou ali e fincou pé.
Bob sai todo feliz, abanando o rabo e rebolando, e ele é muito engraçado quando faz isso, não tem quem não ache fofo e comece a rir. E dispara na minha frente, me puxando pela coleira e tentando guiar meu caminho. Pernas curtas de shih-tzu, coitado, pula um meio fio alto e dá de focinho em paralelepípedo. Bufa e continua em frente. Ainda parece querer comandar.
Dou a volta na praça, outros cachorros querem o cheirar e latir. Bob paralisa e fica quieto. Ele não é muito fã de outros cachorros. Ele gosta é de gente. Se lhe dão atenção, já quer pular no colo e se enroscar nas pernas. Pode parece que Bob seja meio burrinho, mas é na burrice dele que mora a esperteza. Bob se acha humano e ignora os outros de sua espécie.
Sigo em frente, que agora que comecei a sair do cafofo protegido vírus, lógico que estou de máscara, Bob vai ter que perder o tempo perdido, e os quilos ganhos, nessa nossa trajetória hercúlea pelas ruas do menino Deus. Moro aqui há quinze anos e não conheço direito o próprio bairro. Acostumado a passar a semana toda no trabalho e voltar para casa só para dormir, nunca me ative em caminhar despreocupadamente pelas redondezas. Bob me acompanha nessa (re)descoberta.
Muitas ruas pequenas, travessas, casario baixo ou condomínios de sobrados dos anos 1950 e 60, não deixa de ser muito parecido em muitos aspectos com meu velho conhecido São Geraldo, só que com mais gente nas ruas, mais armazéns e ferragens pelo caminho com praças abandonadas e grama alta, que o Bob teima em desviar.
Quase quarenta minutos de rua e Bob começa a dar os doces, senta a bunda e não quer mais caminhar. Força a coleira pra trás, dizendo pra mim que "não mesmo, cara. Chega." Mais um pouco Bob, já estamos quase terminando. Como tu não vai me acompanhar nessa? Logo agora? Ele bufa, de novo, e dá um pique final em suas pernas curtas, mas vigorosas.
Chegamos em casa e ele se atira em um pote de água e eu abro uma cerveja. Meio dia? Dia de semana? Estou quebrando minhas próprias regras, mas e daí? Bob, meu amigo, merece que eu comemore junto com ele nossa pequena vitória diárias, que para muitos pode parecer quase nada, mas para nós é uma vida. Nossa vida. Afinal, Bob me fez sair de casa. E a ele devo isso.