terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O BUFFET NOSSO DE CADA DIA

Eu, e muitos de vocês, almoçamos em restaurantes de rua. Trabalhadores de empresas pequenas ou microempresários, longe demais dos shoppings em negócios onde não é obrigatório ter copa ou cozinha própria, talvez o bom e velho tíquete, como é largamente conhecido. O que nos resta é o tradicional buffet. O popular bifê como todos chamam.

Desde os que cobram cinco reais por uma carne e beba o quiser pagar até os que passam dos vinte reais com tudo liberado, incluindo rodízio de churrasco. Cada um que escolha de acordo com seu bairro e sua condição financeira. Quem tem menos pra gastar e trabalha no Moinhos de Vento, por exemplo, caminhe um pouco, desça até a Cristóvão ou mesmo a São Pedro. Quem tiver mais para gastar em um bairro menos "nobre" que procure o que lhe interessa no próprio bairro. Sempre tem um restaurante com cardápios extensos e variados.

Eu mesmo escolho os locais em que almoço por apenas dois pratos. Carne e feijão. Arroz pra mim é tudo igual. Arroz é arroz. Desde que não seja duro ou colado demais, arroz é como dizem daquele sujeito que cola na mulher nas festas e sempre acaba sozinho. Arroz só acompanha. Não é importante que tenha batata. Batata engorda bem mais e geralmente tem mais sal. Batata sem sal é mais sem graça que dançar com a irmã na festa.

Salada é importante, mesmo que seja difícil encontrar um lugar para almoçar onde as verduras sejam frescas. Prefiro os legumes. Cenoura. Cebola. Principalmente tomate. Tomate é essencial. e muitas vezes, raro. Nem vou falar do azeite. Azeite não existe. Sempre te dão, até nos locais mais caros, um óleo disfarçado de azeite. Não aceite esse azeite. É fruta. E por falar em fruta, a sobremesa nem me interessa muito. Se tiver um pudim ou uma salada de frutas, mando ver. Se não, tô fora.

O feijão pode ser preto ou carioca, prefiro o carioca, claro, mas um pretinho bem pegado, não me olhem estranho, é o que cai bem até no verão. Se for mais cremoso, então, lambo os beiços e devoro como cusco lambendo espinhaço de ovelha. É comer e sorrir. Mais faceiro que gordo de camisa nova. Feijão é festa. Sempre termina em foguetório.

Por fim, a carne. Sempre ela. Uma ou duas, bife ou churrasco, o essencial é que seja pelo menos descongelada no dia. Ultimamente tenho dado azar e me servem carne rançosa. Descongelaram, não cozinharam e congelaram de novo. E ainda servem! Na maior cara de pau! Deus o livre! Se for pra comer carne com ranço prefiro morder minha língua. 

(publicado dia 10/02/2011 no Diário Gaúcho)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Olhar do Rato

Dia desses resolvi caminhar depois do almoço. Mesmo com esse calor do verão é bom para fazer a digestão. Depois, quem sabe, como dizia Adoniran Barbosa, “fazer o quilo”. Pingos grossos lentamente começaram a cair sobre o São Geraldo e a princípio não me importei. Uma chuva depois do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor. Só que a chuva começou a engrossar. Engrossar mesmo. Uma imensa nuvem negra nos cercava e jorrava milhões de litros de água sobre nós. Me enfiei debaixo de uma marquise, por mais que eu tema as marquises depois daquela que caiu e matou oito pessoas de uma só vez na Dr. Flores, e resolvi esperar.
Carros faziam retornos proibidos para escapar das águas que subiam rapidamente na Benjamin Constant. Quando um ônibus passava dava pra surfar de uma calçada até a outra. Numa loja próxima, o segurança ostentava um enorme pedaço de pau. De saída não percebi o que acontecia. Até que um rato se aproximou de mim. O segurança e outros na volta começaram a berrar. Mata! Mata com o tênis! Eu olhei para o rato. O rato não era um rato. Era um gato. Um cachorro. O rato era mais alto e mais comprido que o meu pé. Enquanto isso a turba urrava lá da loja. Pisa em cima!
Pensei em pisar, mas, podem acreditar, o rato parou e me encarou. Tinha enormes olhos brancos. Mexeu a boca, o bigode se balançando todo, e grunhiu palavras de rato. Claro que não entendi nada. Tinha um olhar esbugalhado de desespero. O olhar do rato vinha das entranhas de um ser vivo em fuga. Se lá fora o mundo era um caos, com aquela chuva toda, o mundo dele literalmente desabava. Talvez ele tentasse me contar algo assim. Meu mundo caiu1 Talvez fossem estas suas palavras. Quando esbocei uma reação, responder, grunhir, sei lá, ele se enfiou num canteiro.
Pouco depois, a chuva diminuindo, resolvi tomar meu rumo. Tinha perdido a hora do descanso e só me restava voltar ao trabalho. Pelo menos não precisava mais sair a nado. Escutei gritos e virei para trás. O segurança rindo como um guri que acertou a bola num jogo de taco. Tinha acertado o rato. Jogaram seu corpo de volta às águas que retornavam ao esgoto. É, meu amigo, quando os ratos pedem auxílio aos homens o que restará aos homens?

(publicado no dia 27 de Janeiro de 2011 no Diário Gaúcho)