domingo, 16 de março de 2008

ÁGUA GELADA

Parece estranho um escritor com blogue que quase não escreve no próprio. Minha última atualização foi em novembro do ano passado.

Estava eu ali embaixo escrevendo sbore um feriado com o Lorenzo ou sobre nossas aventuras em Buenos Aires em setembro. Ainda voltarei a falar sobre Buenos Aires. Sim. Eu não sou um sujeitinho de me deslumbrar. Pelo contrário. Perco oportunidades por ser assim, meio desdenhoso sem querer. Só que Baires foi foda. Eu me adaptei em uma semana. É simples. Uma cidade fumante, bebum, arborizada e que os motoristas pilotam alucinadamente? É Porto Alegre melhorada. Ou piorada, como queiram.

Nesses meses tive um instante de sossego em que tive chance de ajustar as idéias e iniciar a escrite de umromance. O romance. Um retrato da doença portoalegrense dos anos 2000. E mais não falo. Somente que numa manhã insone esperando ser atendido na sobreloja da Receita Federal, os números com letras piscando na tela lentamente para chamar os sortudos que serão atendidos por um fiscal da Receita geralmente mau humorado e desinteressado. Pois nesse tempo de paz, sem filho me puxando pelas calças, sem mulher reclamando atenção, sem cliente pentelhando, sem família arranjando problemas, sem cerveja e comida por perto, só eu, um bloco de papel, uma caneta e o plim-plim do atendimento no aparelho de televisão, foi que rabisquei meu mapa de romance. Eu chamo de mapa pois tem indicações, números, caminhos, retornos, mas tudo pode se alterar de acordo com o clima, com as condições da estrada, etc. Escrevi pouco mais de dez por cento do que o previsto.

Pouco se considerar a velocidade com que costumo escrever quando estou inspirando, com tempo de sobra e sem ser perturbado durante o processo da escrita. Cerca de 1500 a 2000 palavras de uma só vez. Eu sempre contabilizo para ver se existe um padrão. E existe. Quando chego nas 2000 palavras, canso, tenho que deitar, assistir um filme barato, de preferência um faroeste, ou uma partida de futebol, apesar de ultimamente eu ter procurando encontrar jogos de rugbi. Eles são bem instrutivos pois são a mistura certa de instinto animal e tática de guerra. Mais ou menos como atuam as mulheres, mas deixemos esse assunto para outra hora. Se eu já não estivesse perto dos 40 e barrigudo procuraria uma "escolinha" de rugbi. Deve ser divertida a pancadaria.

E tudo isso se explica, eu voltar a escrever por aqui, tentar retornar à literatura, coisas do gênero, em ajeitar os horários com o senhor Lorenzo. Pois não é que depois dele chegar no limite do nosso limite, meu e da Betrine, que é bem alto, diga-se de passagem, alcançou o máximo ao dormir num dia das 5 da tarde até a meia-noite e depois ficar acordado da meia-noite até as duas da tarde do outro dia. Sério! Não exista quem suporte tamanha confusão de horários. Tanto que ele acabou virando o fuso. E faz uma semana que ele dorme EXATAMENTE às 9 e meia da noite e acorda pontualmente às 9 e meia da manhã. E cochila das 3 às 4 da tarde. Esta mudança exigiu duas mudanças radicais de hábito.

A Betine agora acorda de madrugada, às 9 da manhã, e acompanha o Lorenzo pelas manhãs. Eu me exijo dormir cedo para estar inteirono outro dia e segura a onda do Lorenzo querendo dormir tarde. Tanto que na primeira noite, quando ele tentou se rebelar cochilando mais de duas horas (o limite agora baixou para uma, com uma sobra de quinze minutos por aí), eu tentei de tudo para acordá-lo e ele não quebrar o fuso de novo. Belisquei, berrei, carreguei no colo, ofercei coca-cola, bombom, passear, fiz cosquinha,incomodei de TODAS as maneiras possíveis. Menos uma.

Jamais tinha eu feito isso com qualquer pessoa. Mas, em última instância, sem ter para onde apelar, abri a geladeira, retirei uma garrafinha de água gelada, destampei, fui até o berço e mirei bem na cara do Lorenzo. E tchá! Um jato de água gelada na cara dele. Eu não acreditei. Funciona! E o que é pior. Ou melhor. Ele ainda acordou de bom humor. Sabem aquele instante que tu nota que foi vencida uma barreira? Naquele instante eu me dei conta. Cara, isso também é ser pai. Tomar uma decisão, mesmo que parecendo maldosa, pelo bem do teu filho e das pessoas que o rodeiam.

Tanto que hoje de tarde matutei comigo mesmo. Agora que ele está perto de fazer dois naos é que estou ficando bem treinado e experiente. Como eu sou primogênito, concluí. Obviamente é por isso que os mais velhos e os filhos únicos são mais "doidos" ou mais "espertos" que os mais novos numa família de mais de um irmão. Os outros, coitados, pegam os pais mais treinados, ou cansados, e torna-se ou tudo mais regrado, e eles não ficam doidinhos, ou tudo mais calmo, e eles são tão rebelados. Claro que é uma regra geral, mas é de se pensar no entorno dessas conclusões.

Obviamente sobra um tempinho para que eu consiga voltar a escrever mais. E, para um escritor como eu, tempo de sobra é 90% do trabalho. O resto fica por conta da minha imaginação.

Marcelo Benvenutti, pai do Lorenzo.

(abaixo a foto dos dois numa improvável tarde no parque)