sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A PRIMEIRA NOITE

Continuando nosso passeio por Buenos Aires.

Chegamos virados no Borges Design Hostel. Uma das coisas que aprendi é que em Buenos Aires se diz assim quando se pega um táxi ou pergunta-se como se chega em algum lugar: Paraguay, entre Thames e Borges (isso, Jorge Luis Borges é o nome da rua que até onde descobri se chamava Serrano em toda a sua extensão).

Pois o Borges Design fica numa casa dos anos 1920, de três pisos, com um elevador daqueles de abrir a primeira e depois trancar a porta pantográfica para que ele saía do lugar. Próximo do metrô (SubTe para os íntimos), estação Plaza Itália, do Jardim Botânico que tem acesso gratuito é bem bonito mesmo e a poucos quadras do furdunço da Plaza Serrano (ou Cortazar como foi rebatizada pelo povo do bairro) no bairro de Palermo, seção SoHo. Palermo é assim. Tem Palermo Soho, que é a parte do bairro onde se encontram os bares mais undergrounds (por pior que seja essa expressão) e os artistas plásticos, atores de teatro riponga, músicos, escritores e vagabundos em geral (afinal, arte não é trabalho segundo a tradição do trabalhador cabisbaixo). A outra parte do bairro, que no fim não chegamos a conhecer, é Palermo Hollywood, onde se encontram os estúdios de televisão e cinema, os bares mais badalados de artistas de TV e teatro. Foi lá que logo depois que voltamos para o Brasil, arrombaram o casarão de um milhão de dólares que o Copolla comprou e roubaram um roteiro de um filme que ele pretende fazer.E é lá também que ficam os campos de Pólo e onde se cultiva o gosto pelo Rugby, hoje em dia um esporte bem popular na Argentina, recentemente classificados em terceiro na Copa do Mundo do esporte realizada na França.

Pois chegamos no Borges Design e logo de cara descobrimos que os ocupantes do nosso quarto de casal com banheiro exclusivo (por 130 pesos por dia foi uma barbada o quarto que reservamos) ainda não tinha saído. Pior, tinham saído para passear e deixaram suas tralhas no quarto. Cansados não tivemos outra saída a não ser dar um volta no bairro e esperar que os caras de pau voltassem logo. Fomos até a loja de uma brasileira que foi entrevistada pela Zero Hora e que ficamos de levar a edição do caderno Donna sobre Palermo que a Milena, editora do caderno e madrinha do Lorenzo, acabou não enviando para a moça.

Muitos cocôs de cachorro depois voltamos ao albergue e os canalhas ainda não tinham voltado. Mais cansados ainda, e torturados pelas duas gurias que atendiam de dia e não saíam do telefone ou do MSN e quando falávamos com elas, devagar, em português o portulhano e elas respondiam em inglês, o que nos confundia ainda mais, pois entendemos quase tudo em espanhol e elas vêm com speak english pra cima de nós, porra! Decidimos que o melhor era aceitar o quarto do lado e dormir.

Dormimos até umas seis da tarde e saímos de novo, afinal não viajamos para dormir, não é? Depois de a muito custo arrancar a Betine da cama, colada que ela estava no travesseiro, fomos caminhando sem destino pelo bairro, nos perdendo entre as ruas com nomes de países da América Central. Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Nicarágua. Basicamente nestas quatro ruas e nos cruzamentos com Borges, Thames e Malabia é que se desenrola a balbúrdia de Palermo Soho. Muitas lojinhas de roupas. Roupas de bebês. Roupas femininas. Roupas de homem. Lojas gays. E, finalmente, Plaza Serrano, uma praça circular rodeada de bares e lojas que têm bares dentro. Sim! Dá para olhar roupas e encher a cara ao mesmo tempo. E na rua muitas feiras de todo o tipo de roupa feita pelos designers (outro sinônimo de artista por lá) de Palermo.

Bom, a parte do parágrafo acima eu dedico à Betine. A parte que me interessa veio mais tarde. Com fome e sedentos de cerveja, pelo menos eu estava, entramos em um bar na Praça mesmo, não recordo o nome agora, mas logo procuramos o setor fumadores, que neste bar por incrível que pareça era menor que o de não fumantes (diferente de quase todos os outros que entramos, onde o setor de fumantes era bem maior).

Para começar os argentinos gostam de cerveja mais suave. A Quilmes é fraquinha, quase um guaraná para bebum. A Brahma fabricada por lá é mais adocicada. Nos restava pedir uma Stella ou uma Heineken. Na falta de Heineken no bar não foi difícil pedir uma Stella de litrão (960ml para ser mais exato, 11 ou 12 pesos a garrafa no bar). Que cerveja! Enquanto isso, nos fazendo entender pela garçonete (o que é mais interessante, os homens argentinos entendem muito mais o português que as mulheres. Elas falam rápido demais e acho que não se entendem nem entre elas, as mocinhas de mãletis e caras afinadas de ascendência italiana e espanhola) pedimos uma pizza e uma cebola frita para aperitivo. Só que a cebola chega junto com a pizza.

A pizza portenha é quase como a porto-alegrense e diferente da brasileira em geral (leia-se paulistana). A massa é mais grossa e mais bem cozida que a de Porto Alegre, o que eu gostei claro, porque era sequinha nas bordas e levemente cheia no meio. E, como nosotros gaúchos eles colocam tudo na mesa para acompanhar a pizza. Ketchup, maionese, azeite, mostarda, só faltou pimenta. Enquanto a Betine inventou de tomar uma Guiness (14 pesos, preço honesto, mais barato que no super em Porto), eu inventei de querer descobrir o que era o tal de porrón artesanal. Que idéia cagada. Porrón é long neck e a cerveja artesanal que escolhi, pelo nome, Barbarossa, com um pirata, claro!, no rótulo era horrivelmente frutada. Bah, tenho pavor de cerveja frutada. Mas como bom bebum tomei até o último gole aquela desgraça de 8 pesos (o que até não foi um prejuízo dos maiores).

De barriga cheia e levemente alcoolizados voltamos ao albergue dispostos a recuperar o sono perdido, acordar lá pelas 10 da manhã e fazer o roteiro de turistas que tínhamos programado durante um mês inteiro. Tremendo engano para dois boêmios. No albergue encontramos o Itamar, um carioca que estava hospedado lá, e a Mara, uma moça de Natal que também aportava por lá. Começamos a beber Heineken e Brahma com eles e o salão do albergue foi se enchendo de colombianos, suiços, holandeses, norte-americanos, dinamarqueses, etc. Um dos donos do albergue convidou o pessoal para uma festa na casa de uma amiga, uma open house dessas, e que nós só tínhamos que levar a bebida. Que idéia! A Betine já estava mandando ver nuns Gintônicas e enquanto os outros levavam Brahma de litrão para a festa nós inventamos de comprar por 40 pesos uma garrafa de Gin e uma garrafa de tônica.

Depois de salvarmos o americano de Massachussets, e de ele me explicar como se fala Massachussets sem errar como fazem os caras no Fantástico quando falam do MIT, chegamos de táxi na casa da guria que não sabia daonde tinha saído aquele zoológico internacional. O gelo da casa ficava na banheira e por mais que ninguém acredite no Brasil, ninguém tinha mijado na banheira cheia de gelo. E foi de lá que retiramos o gelo para o nosso Gintônica dançante. Um terror! No final mamamos a garrafa de Gin e a de tônica estava pela metade. Dançamos, fizemos fiasco, voltamos pela rua cantando San Lorenzo (o time de futebol, atual campeão argentino, que tinha sede originalmente em Almagro, bairro vizinho a Palermo) e, no albergue, ficamos conversando e acabando com o freezer de cervejas até às oito da manhã. Parecia que tínhamos retornado uns 15 anos no tempo e voltávamos de Imbé depois de uma noitada e acompanhávamos o sol nascendo no mar barrento de Tramandaí. Os assuntos que lembro agora não interessam muito (lembro de falar sobre a diferença das argentinas e das brasileiras com o hincha do San Lorenzo) e fica na memória uma noite muito divertida na companhia de nossos amigos brasileiros, das gurias de Barranquilla e de Jacob, o dinamarquês que andava pra lá e pra cá com um abrigo do Boca Juniors.

Ah, sim, O dia seguinte. Depois de sermos acordados pela argentina doida da recepção diurna berrando checkin checkin no corredor ao meio-dia, para tomarmos conta do nosso quarto reservado e liberarmos o quarto aonde dormimos, só levantamos depois das 4 da tarde. Roteiro suspenso.

(continuo qualquer outra hora em que estiver disposto e o Lorenzo me deixar dormir mais que 3 horas seguidas)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

CARLITO

Mal chegamos à Buenos Aires e a Betine louca por um cigarro larga na minha frente após esperar que eu praticasse meu primeiro ato na capital argentina; cagar no banheiro do desembarque. Chegamos na área dos táxis e aquele acúmulo de homens hablando castejano (vou escrever como eles falam por aqui) e perguntando para aonde iríamos. Nós pesquisamos antes para não sermos enganados nas corridas de táxis. O primeiro taxista, ou motorista de remis que são “taxistas” sem bandeira que fazem uma corrida acertando antes o valor, nos diz que vai cobrar 75 pesos de Ezeiza até o bairro de Palermo. A Betine continua fumando e então vem outro. Um nariz enorme de bolota cheio de desenhos nas rugas aparece na minha frente. Para onde vocês vão? Palermo, respondo. Que altura? Paraguay, 4539. 65 pesos, responde o remisero (acho que é assim que se chama). Eu olho desconfiado e ele continua. No equisiste más econômico! Los otros vão pelo centro e eu sei o caminho certo. A Betine faz sinal que ainda está fumando. O remisero tasca de volta. Podes fumar no meu carro. A Betine sorri. Agora eu sei que ela vai adorar Buenos Aires.

Na tosquice do entendimento dos porteños com o português nos resta entender quase tudo que o remisero fala e ter paciência para que ele nos entenda. Mesmo sendo eu um desligado de marca maior. Logo de cara ao entrarmos no Renault esbodegado do cara, um chapéu de malandro argentino no banco de trás, eu mexo no casaco e o motora olha pelo retrovisor e fala: se quiere retirar lo saco, puedes retirar. Esqueço momentaneamente minhas aulinhas de espanhol no Google e faço uma cara estranha até a Betine me lembrar que saco é casaco, anta porto-alegrense.

O remisero abra as janelas não se importando com o frio de 13 graus da manhã e vai acelerando pela auto-pista. Aca fica la AFA onde treinam os jogadores de la seleción. Eu admiro a informação, nem tanto a Betine. Mais adiante ele explica que Ezeiza fica a 38 quilômetros de Downtown. Esses argentinos fazem uma confusão na cabeça do cara. Não entendem nada de português e falam com a gente misturando inglês com o castejano arrevesado deles. Eu pergunto. E do centro, pra ele ver que eu sei que centro é centro e não Downtown de gringo, até Palermo, quantos quilômetros são? De centro até Palermo, responde ele, são 15 minutos de Subte (o metrô deles) ou 30 minutos de ônibus, colectivo me acentua como se eu não soubesse o que é ônibus. Eu repito a pergunta. Quantos QUILÔMETROS? Ele responde a mesma coisa. Desisto.

Lá pelas tantas chegamos no primeiro pedágio. O motora paga e eu vejo que o peaje (peárre ele corrigi minha pronúncia) custa 70 centavos de pesos. Eu explico que de Porto Alegre até las playas (ou plajas, não sei mais) numa estrada parecida com aquela, pagávamos cerca de 10 pesos. Ele faz cara de espanto e logo adiante sai explicando que de um lado se vai para o Autódromo e mais adiante se vai para La Plata. La Plata de Estudiantes, pergunto. Si, responde ele. Daí não me agüento e continuo. E usted és hincha de que time? Ele demora para entender meu castejano de araque e responde: Independiente! Não me agüento e mesmo correndo o risco de levar uma bolsada da Betine continuo. Independiente de Burruchaga! Fez o gol em Grêmio dela em 1984. Independiente campeón. Era o que faltava para o remisero se abrir. Si. Independiente! E puxa um jornal, jô soy Carlito e mira quem está acá. Na capa do Diário de Deportes, um Diário Gaúcho só de futebol de lá, está Carlito de uniforme levando o Messi do Barcelona na saída do Aeroporto. Ele sorri. Maradona me pediu para que fosse buscar Messi. Messi é meu amigo. Maradona, Maradona é meu amigo! Por mim a viagem já está paga só em escutar as histórias desse Carlito. Ele é mais ou menos como se fosse o Paulo Sant’Anna só que com o nariz mais deformado do planeta. É uma figuraça. Aumenta o volume do rádio que toca tango e me pergunta se sei bailar. No. Jô no lo se. E te gusta tango? Largo um si meio tímido. Eu gosto das letras de desgraça e vingança e dor de corno. São as mesmas do samba dor de cotovelo. Ele não se agüenta mais no banco da frente. O locutor desta rádio é meu amigo! Esse Carlito é demais! É o cara! No final, sem trocado, deixo 70 pesos pela corrida e ele nos dá o telefone dizendo que na volta nos cobrará 55 pesos se combinarmos um dia antes. Nós, bêbados pelas noches e insones de dia, não ligamos. Mas fiquei triste de não terminar minha primeira viagem até Buenos Aires com meu amigo Carlito. Amigo de Messi! De Maradona! E do locutor da rádio! Puta madre!